sábado, 31 de outubro de 2009

Demanda do santo

Tema, seja ele qual for, fornecido por Isabella Carrazza






Café, sangue preto que escorre de minhas muralhas
Me fazendo aquiescer
Às pontes levadiças


Doze manequins como cavaleiros
Guardam a porta com óleo fervente escuro


Um deles, Lancelote, me trairá por trinta moedas
Tomo cuidado para que
Escudos por pratos não escondam
O amor que ele sente por Guinevere


Gawain, ó mais puro, a quem foi dado beber d'
A taça
Mata os bufões e os domadores
E poderei dormir em paz


Enjaulai javalis jocosos


Um deles, Lancelote, virará monge
Pela traição impingida


Pelas barbas de Merlin e Morgana!
Envelheço a olhos vistos
Em justas e torneios, ordálio
Fático com erros de pontuação

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Skull full of maggots

Acordou à uma e a tarde gastara ouvindo cannibal corpse. Faltar o trabalho talvez fosse a única coisa aproveitável que um deus legou aos humanos. Fora à casa dos pais buscar a caixa de papelão já mole e gasto com os gibis marvel. A garrafa de vinho de cinco reais completava a diversão adolescente. O dia sem noivo, sem pensar em contas, única preocupação era não esquecer de ir àquele escritório no centro comprar o atestado. Nada revoltava ainda, quis só reviver momentos do passado, pena que as amigas preferiram ter que ir trabalhar.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A quién lo leyere

Os vinte minutos cabisbaixos mudos
Contigo absorta, ar de culpada
Como que remoendo algo
Que quer me dizer, mas não sabe como
Me pergunto se o erro foi meu
E é uma represália silenciosa
Meu castigo é ser ignorado estando a menos de meio metro de ti?
Distância considerável que você se empenha em ampliar
Por favor, briguemos, gritemos
Por arranhões e objetos atirados
Fulminemos um ao outro com o olhar
Discutamos intelectualmente se quiser
Qualquer coisa
Mas não se abstraia mais assim de e em minha presença
Pois temi por mim,
Por nós,
Por todos
Que atacasses pela inação
De propósito ou não
O que tenho de seguro, o que instável
Me motiva

Longe de mim querer imprimir o ritmo de tua poesia
A tudo o que faço
Me vi sem saída
Sem
Escassa iluminação quanto ao que fazer

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Eu sou a morsa

Abri os olhos e ignorava a abrangência dos efeitos dos meus atos. Ignorava também que estava vivo, abri os olhos, contudo, e vi a luz mais intensa: o sol mais ubíquo e feio me fez inalar sua presença pela primeira vez em algum tempo, saturando a atmosfera próxima pendularmente; ora aquiescendo, ora recrudescendo. Me perturbavam essas oscilações. Pressentia que no final me marcariam indeléveis; reconheci por fim minha animação suspensa e a ela não respondi, conquanto não me angustiasse este fato. Intuí que teria de esperar, buscava então, sem muito sucesso e sem perceber, a transição entre dois hiatos - sabia que ao ruidoso borrão escuro seguira-se o sufocante silêncio do borrão claro, não sabia tecer o que ligasse os dois. Conectava sem dúvida os momentos pertencentes a cada um e não conseguia distingui-los na massa compacta e aleatória; dois dialeticamente unidos estágios orbitavam indiscerníveis em torno da uma coisa de que tinha consciência: a dor que docemente constrangia não preocupava em absoluto, quase como a volúpia da vertigem. Aos poucos foi se esgueirando um renitente som de brusca freada. Pervadindo minhas elocubrações , não sobrepujou, é claro, a lasciva asfixia, foi obtendo, não obstante, gradual proeminência; pungente cruzado timpânico. Já não estava tão absorto e começava a saber de algo de minha condição de agora, um frio cortante perpassou meu corpo imenso submergido em luminosidade como o alvo crivado de facas com a garota amarrada e bonita. O resumo da fase dois era três sensações, dor, frio e som de freada brusca. Não lembro se a fase um resultara em duas ou três sensações, lembro do vento e lembro que sentira outras sensações. O conhecimento dos próprios estágios, portanto, era precário. Da articulação entre eles, mais ainda.
Vislumbro sombras e as pareio fora de ordem, pois manejo habilmente o que vem à tona: selecionando, suturando e abarcando; seguindo ditames que me vêm na hora. Esta noite eu, como o filho pródigo, lembrei de mais coisas. Pequenos alfinetes que alguém cravou em meu cérebro e esqueceu de tirar. Os olhos abertos nunca me permitiram enxergar, é, portanto, útil entregar-me a exercícios de imaginação: Uma jaqueta de couro com um cheiro que sei que é marcante sem me lembrar de qual é. Um isqueiro, um sorriso que não lembro se é meu ou de outros. A mulher com o chapéu acenou para mim, ou estaria esbravejando? um fragmento de poesia e me aventuro no cone de luz futuro, lembro bem ter declamado este num café por aí solto. Hoje senti que tocavam minha pele com dedos de borracha menos frios do que o ambiente. A pressão deles me fez vir um pouco outra vez.  Onde me apalparam é melhor não perguntar porque não sei. Continuo ignorando onde estou, embebido em claridade. Consigo abrir e fechar os olhos já a meu bel-prazer, o que não traz lá grande diferença. É claro e pouco úmido, me sinto permanecendo num quarto que entupiram de travesseiros: Tudo é branco com cheiro de talco e não posso me mexer, o que me impede não são correias e sim algo fofo e por isso mais difícil de enganar/escapar. O zumbido já identifiquei, foi como apanhar moscas, aos punhados, com as mãos, é de moto, não sei qual ainda, mas tenho a impressão de que já pude identificar os modelos pelos zumbidos dos motores. Moto potente com o zumbido esmaecendo ao fundo, talvez junto com o pôr-do-sol mesmo. Se bem que isso já seria clichê demais, só faltaria aquele cigarro do caubói para completar.
Percebi o toque de um retângulo que desconfiei ser uma bandeja pressionando minhas pernas e tinha a impressão de estar sentado. A lateralidade veio hoje também - por um instante soube que o zunido agudo de um ventiladoraspiradordepórespiradorartificial estava apenas de um lado da minha cabeça e não de outro. Um trem que senti vir descontrolado na direção do meu lado, esquerdo ou direito não importa, e que senti que não ia parar tão cedo, o sabia longe ao menos por enquanto. Tato, experimentei tato também. O tato de identificar pressão sobre a pele eu sempre tive consciência de ter preservado, agora aflora o tato de sentir dor e sentir texturas. Toquei num lapso de tempo que julguei curto um líquido duro que sabia não espesso, Áspero. Sala ampla como um deserto, sei que seu teto existe, mas sei também que está à distância da ionosfera: Tudo é branco os bancos estão lá, abusam, e são brancos os bueiros e letreiros luminosos também são, sei que existem porque esbarro e me contundo e se abro os olhos e fecho quando quero isso se dá a um preço. Se me é dado ouvir um zumbido, por mais contínuo que seja há um preço também a ser pago que desconfio que descobrirei em breve qual seja
Hora vaga vem tudo desaba ao redor de mim, me vejo escorregando em algo poroso que rasga minhas roupas por quilômetros e quilômetros e isso não é infindável. Sinto um baque e retorno à escuridão branca. Saber que estou imóvel estirado em algum lugar me revolta bem pouco, aquiesço rapidamente retornando à lânguida calidez do que penso conhecer. Uma revelação me acomete quando deixo de girar como naqueles brinquedos de parques de diversão baratos, a cegueira não me impediu de constatar que eu sou a morsa, estirado de barriga para cima em algum lugar frio e luminoso do universo, não fui gordo, mas pressinto a gordura caindo pelos lados da rocha que me escora durante meu banho de sol, o qual me cega ainda que abra veementemente os olhos.
Hoje obtive dos deuses permissão para abrir a boca, o que apenas trouxe um hálito externo gélido cheirando a aparelhos metálicos e que não me reavivou o mais mínimo. Senti minha boca expelir nada, tanto antes quanto depois desta aquisição do ambiente, minhas presas se fincaram no ar e perfurando-o extraíram uns resquícios do que já me ganhara minha plena atenção. não conseguiria mais me desvencilhar da mistura clorofórmio, aço inoxidável, gelo seco: Um Dry Martini que supunha verde com uma coisa vermelha encostada no fundo da taça. O sol rodopiava acima de mim no mínimo três vezes por dia, pois a boca que eu abrira já não pudera fechar por nada, ruminava a bebida que ele, como bom iniciador de vícios, me oferecia de graça, descobri ter dedos de um lado do corpo, dedos que apalparam a mesma superfície aquoso rígida de sempre.
Metal sendo esfregado contra asfalto ao longo de um período quase longo cheiro de gasolina e churrasco de morsa se eu fosse escritor e portanto mais presunçoso ególatra acreditaria ser um inca que foge dos espanhóis, senti pontadas no braço e sono como se estivesse há tanto tempo querendo fazer a viagem que minhas peripécias para consegui-lo fossem a viagem em si. Um vulto me assustou muito ao passar pertíssimo da minha boca, tenho motivos para crer que é um daqueles tentilhões que limpam os dentes das criaturas costeiras e com isso conseguem comida, uma dor do lado me fez me perguntar se meu corpo, já pesadíssimo, não está sobre o braço, sinto que esmago algo que me incomoda;
iraq body count e continuava bêbado e continuava de cabeça para baixo tentando entender se o mundo são correntes quebrá-las todas é destrui-lo. O último cigarro apagado não é mais especial porque não nos é dado saber ser ele o último ou o primeiro de um maço longínquo porque interminável e tinha uma moto e tinha uma namorada capaz de se ruborizar - O sexo era bom e as máquinas melhor ainda de cujos fluidos bebi não me lembro quando se tive capacidade de me ruborizar ou a velocidade me arrepiava demais que eu acabava não prestando atenção a coisa alguma. A lembrar-me da mão fria e alongada que toquei pela primeira vez sem olhar nos olhos e do metal frio incandescentemente alongado sob minhas pernas, a rugir obscenidades aos que ousavam cruzar seu caminho porque hoje a morsa sabe não saber onde está nem porque de estar onde sei que ligado a tubos estou. Talvez esteja morto, mesmo que isso contradiga o que já disse, e tenham instalado esta lâmpada especialmente potente no meu esquife, o que pode indicar que estou vivo a desandar em elocubrações que me trazem à memória cascatas de vidro a fluir de meus olhos prestes a morrer; e Quisera Estar Morto sim, para que um último pensamento tivesse sido sobre os seios acolhedores abrigos noturno diurno por vezes da namorada ruborizada.
Estive estirado a um sol que me acolheu e me trouxe aonde agora jazo lembrando desprotegido da lua que me obriga a fazê-lo

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Cidade Imaginária

Tremulam hasteadas bandeiras
De por onde
Passaram vários passos perdidos
Que se encontram
Aqui

Os prédios são novos
cheiros de carpete
Que ardem nos pulmões
-também novos-
Dos habitantes

Barracas de aço de dois por dois metros
Com catre e buraco
No chão

O ruído ao longe é de hélices
De moinhos e pás nos rios
Afugentou todos os pássaros

Árvores, esparsas, com folhas alternam com
Postes e árvores de plástico e crepom
Estofando um horizonte dito mítico por uns
Insosso por outros e até mesmo
Sangrento alguns

Postes sem fiação aparente
E calçadas limpas de fezes de cachorros
e de mendigos

As garagens são basculantes parindo
seus vermes - esteiras a rolar
Infinito afora

Exilou-se o pássaro eventual
A larva, a mosca, o elefante
E o útero
Em prol dos relógios,
Mais pontuais, corretos e cordiais com as pessoas

O próximo passo será implantar
Estes relógios no lugar
Dos pulsos dos jovens habitantes

A tentativa relativamente bem-sucedida
De trocar por um deles
Um cerebelo
Alenta os  pesquisadores
Desacredita os críticos

Não, não há naves flutuantes
Carros tampouco
As ruas estão vazias
E nem o vento se ouve

domingo, 25 de outubro de 2009

Para que duetos de golpes perfeitamente ajustados não virem tercetos bárbaros sangrentos

...god who'd wanna be such an asshole?
Bukowski - Modest Mouse


Me assustas com essas sombras do passado
Que cruzam o caminho seu
Que era para ser nosso

Se almejamos ao mesmo
Por que os momentos awkward
Em que duvido de mim

Evaporam a confiança
Em minha poesia e em tudo?
Não quero (ou quero?!)

Saber de muitos vultos vindos do nada
Me apraz bem pouco
Se usamos franqueza

A quero a um extremo que me diga
Por que vamos
Na direção em que vamos

E se há a possibilidade
De a primeira do plural
Virar

Primeira do singular
Ou terceira do plural assim
Sem mais

Por causa dele
Trazedor
De dias de dúvida

Sobre nós e
Nossas
Reviravoltadas Poesias

Quando me cego quanto
a dificuldades
Me vem tudo isso encima

Desmoronando, esboroando
Nem que seja em imaginação apenas
O que vim construindo

Há coisas que procuro saber
Mas não quero encontrar
Tais como

Respostas que me assustam
Reações que não prevejo
Ações que invento

Ações que julgo terem acontecido
Por ser de reações lento
Respondo ao que não sei se é

Pode ter mudado nada
E daí?
Hallo, control freak

Man overboard

Há um farol que não vejo
Mas sei que está
Não creiam nos que dizem tê-lo visto
O facho de luz é indiscernível nesta névoa
Que encobre a costa
E põe a perder tantas fragatas

O ruído da lanterna girando oscila
Entre estibordo
E bombordo
Sabemo-nos muito perto
Das torres dos totens
Pontos esparsos ao longe:
Fogueiras

Rochas pontiagudas mordem
Os cascos com vontade
O vento a enfunar as velas
A embalar as naves
A crispar as vagas
Derruba tudo
No fervente caldo espumoso
De que não escaparemos

Alfil ataca (la revancha)

Mãos de pianista sobre teclas invisíveis
Desenham a partitura do que é
Ser, como eu,
Besouros que espatifam
Contra luminárias
Essas mãos regentes a urdir,
Em suma,
A orquestra desafinada do que sinto
Metais afiados contra cordas
Que enforcam o do oboé
Em nome
Por ordem
Das mãos de pianista

Quando minhas quiálteras
Saem tortas
Se não consigo atingir certas notas
Porque entro no contra-pé
Da valsa
É porque estou sendo
Manipulado
Digitais nas teclas não me enganam

sábado, 24 de outubro de 2009

Desafio dos sete minutos

Bolhas na bile
Sobem e flutuam
Como os pensamentos sobre alguém
Onipresentes
Quebram a tensão superficial
Ao atingir o topo

A espuma quer me dizer algo
Que não entendo
Mas sei que é amargo
E o líquido transborda
Em confissões ínfimas
Desmente todo o resto

Façamos assim:
Eu pago essa cerveja e ficamos quites quanto ao almoço

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Fin de Siècle

A poesia é a forma de traçar
Na areia deste deserto em que vivo
Teu nome, as infinitas vezes
Que o que sinto me obrigar

É como disfarço,
Remetendo aos poucos
O que retém minha atenção

O dia sem os olhos da poesia se arrasta
Enquanto escrevo/escondo
O grito
A ecoar nestas páginas, em
Meus ossos e em tudo o que faço

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Haicai-palestra

Um perfil, de longe,
O lado esquerdo contemplo,
Pois a quero perto

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A culpa (pt. III)

Sai do bar aparentando indiferença. Afinal fora com indiferença que ele tivera o desplante de começar a imaginar coisas sobre eles dois. Aquela metáfora selara a falta de interesse dele por ela, então era hora de deixar de se esforçar desta forma por algo que a ela já não aprazia e não interessava muito. Fora interessante no começo indagar até onde tudo aquilo levaria. A descoberta e a identificação. Eram poetas, mas passou a haver algo mais a uni-los, ou era o que ela achava. Nunca se considerara e não queria ser o pilar disto tudo. Mas sabia agora que a ausência de empenho, com que agora se propunha a tratar isto tudo, traria a ruína. Estaria distante para dar a ele a chance de provar que a merece. Dissipando assim aquela aura unilateral a que ele hoje submetera a situação. Se fosse somente para depender dela e de sua admiração pela poesia dele, estariam agora fadados ao afastamento, à frustração no mínimo. Ganha a calçada e se põe a caminhar a esmo. Passa pela pracinha perto daquela loja onde comprara uma camisa para ele. Aquele banco quebrado perto do poste intermitente já fora deles, já trocaram muita poesia ali, sussurando-as. Ou será que o banco fora dela apenas? Senta-se. Não naquele, mas em outro banco. Compra pipoca. Se dedica a alimentar pombos.  O sol às portas da morte, prestes a se pôr. Babás recolhem, com olhar displicente, os carrinhos e as crianças. Um homem senta-se a seu lado. Oferece um cigarro. Quer puxar assunto. Ela se nega. Tudo o que menos quer é ouvir falar em um deus agora. Ainda mais de um deus a quem ela tem que pagar para acreditar. Usar oferta de cigarro para se introduzir uma tentativa de conversão foi golpe baixo demais. Levanta-se, planeja voltar ao apartamento. Quem sabe qual foi a reação dele depois da conversa? Terá feito as malas? Estará à sua espera de joelhos, com um maço de flores silvestres, as únicas que consegue roubar da frente do palácio municipal, na mão, suplicando para que tentem tudo outra vez? Toma uma rua que sabe que não vai dar no prédio. Quer demorar a chegar. Pensa em queimar todas as poesias, as suas e as dadas por ele. A razão estava com ela, nunca o idolatrara em demasia. Seus comentários eram polidos, pouco efusivos ainda que reconhecesse que eram freqüentes. Ele por outro lado mostrava-se pouco interessado em qualquer coisa ligada a ela. Achara sempre que era por seu caráter reservado. Até que veio à tona, ele estava nessa porque se sentia bem, endeusado pelos comentários dela. Ele não se propunha a retribuir. Entra em um restaurante para pedir um café. Lembra do vídeo do Depeche Mode, aquele com o carro a andar em marcha à ré e o motorista, com a cabeça coberta, não pode fazer nada. Talvez descreva bem a situação porque talvez nada vá mudar, ainda que ela tente. Desiste do café e pede um conhaque. Tira um bloquinho da bolsa, sempre o tivera ali preparado para estes casos. Põe-se a escrever graficorragicamente. Com uma fúria que os gregos atribuiriam à força dos oráculos. Não necessariamente sobre o que estava vivendo ou sobre o que queria que acontecesse. Escreve e se resigna a fazê-lo. Mais um conhaque, por favor. Já trago. É um poema porque está em versos. O mais longo que já fizera. Paga a conta. Vai para casa com a impressão de que o poema, muito longo e muito confessional, está inacabado. Concisão nunca fora o forte de nenhum dos dois, eram poetas, em suma. Chega a sua rua ruminando decisões que deveria ter tomado para que soubesse lidar com o que vem justo agora. Cumprimenta o dono daquela loja de vinhos ao lado da entrada de seu prédio, compra um jornal e sobe.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

La persistencia de la memoria



O inconsciente está do lado de fora
Esperando para agir,
não ordena, aguarda
Pois se sabe mais sabedor que outros
Me aflige sabê-lo ali espreitando
Evitando precipitar-se
Evitando enrolação eterna
Antecipando cada retirada
Cada aceno
E cada olhar curioso meu

Inconsciente é o campo em que ajo
De minhas possibilidades provedor
E Ésquilo quando jogou isso na minha cara
Não queria ofender
Parece ser elogioso perder as rédeas da arte
Ou ser por elas levado
Pelo menos é um campo sem deus
Que tolha meus movimentos para
Conter aqueles relógios derretendo
Pendurados em árvores
Contra um céu que devaneia
Junto às rochas escarpadas

A culpa (pt. II)

Lembra daquela primeira flor que você me deu?
Aquela ridícula?
Nunca disse isso
Seu esgar de desdém te entregou
Para de desviar o assunto. Quero dizer que há poesia não-verbal
Oh! Descobriu a roda
Há poesia não traduzível em palavras e eu e você sabemos que não precisa ser só como demonstração de amor
Tinha esquecido. É claro que você tem que jogar seus superiores conhecimentos de poesia sobre mim
Você me teve preocupada hoje, saiu a esmo. Ainda bem que eu adivinhei que você não ia longe. Por que fez isso?
Não me subestime eu iria longe se quisesse. E você está errada em acreditar que eu faço as coisas para te deixar preocupada
Não deturpe minhas palavras
Desde quando se importa?
Li poesias suas hoje de que gostei
Repito minha pergunta
Não seja infantil, repito a minha: Por que fez isso?
Olha só. Presta atenção no que eu vou dizer
Ahn
Lembra daquela cena daquele filme do Robert Rodríguez em que o atendente daquela lojinha pula em chamas de detrás do balcão e tenta alvejar o Clooney e o Tarantino?
Nem sei como somos poetas, nossas metáforas são péssimas. Aonde quer chegar?
Sem críticas. Não é bom momento para isso
Quick and to the pointless, por favor
Eu sempre vi nossa relação como eu sendo aquele cara pegando fogo e você a única piromaníaca apta a gostar do que sou
Quanto você já não deve ter bebido para estar pensando nisso?
A culpa é sua se o objeto em chamas não tem admiração pela pessoa que o acendeu
Isso é outra metáfora?
Não, é o que acontece conosco
Você quer dizer que eu gosto mais de você que você de mim e nossa relação se funda nisso?
Não
O que quer dizer então, porra
O fogo é minha vaidade, não consigo te admirar como poeta como você me admira. Mais ainda agora que eu me dei conta de que você escreve justo como eu queria escrever
Você é um convencido, então
Sempre falhei em retribuir o que você sempre me deu
O problema é seu se suas falhas de auto-estima te impedem de gostar de mim como mereço
Já estou mal o suficiente com isso
Aprenda a lidar conosco
Tudo sou eu mesmo, você me acostumar mal tem nenhuma influência?
Nunca fui tratada como queria e sempre relevei tudo. E isso em nome de quê?
Quando foi que te obriguei a alguma coisa?
Mudando o assunto de novo
Juramos sinceridade antes de tudo
Mais essa agora. Juramos
Por isso mesmo não posso prometer mudar, é possível que prometa tentar mudar
Para quê? Se no final eu acabo fazendo tudo pelos dois, pela poesia como você gostava de sussurrar ao meu ouvido
Você sabe que eu não me sinto à vontade com essa história de dualismo
Precisava mesmo fazer uma referência ininteligível a um poema meu? Desenvolva
Dualismo me diz que somos diferentes, você já está nos tratando como se fôssemos dois, isso não é bom
Bom saber, e por que não fez nada nunca para manter uma unidade?
Prometo tentar
Agora que tudo já ruiu por uma loucura sua? Você é pior quando tenta mentir para mim
Não estou mentindo, quero remediar algo que estraguei. Prometo tentar
Desnecessário. Depois daqui, já não há o que se possa fazer
E?
Eu me nego a continuar mantendo tudo sozinha. Como pelo visto você tampouco vai fazer nada, acho que ficamos por aqui
Quer dizer que a minha descoberta, elogiosa, de que você escreve melhor que eu vai acarretar um desfecho trágico
Houvesse pensado nisso antes, e o desfecho só é trágico para você
Me odeie então, recuso o desfecho
E vai fazer o quê?

A day in the life (cont.)

Ela crava seus olhos nos dele. Oferece a certeza de que permanecerão assim pelos próximos segundos ou décadas. Enlaça-o entre seus braços. O beijo pelo menos ainda tem gosto, cigarro e vinho, traz à mente dele um perfume antigo, inebriante como as ondas de hesitação, euforia e ânsia que ela lhe transmite agora via oral. Não estão preparados ainda para desviar o olhar. O olfato está ausente, ambos fumam, um por causa do outro, há tempo demais para se preocupar com cheiros. Existe certo equilíbrio plástico na cena. A porta aberta sugere algo. Ele busca soltar o cabelo dela enquanto tenta ler um sorriso perdido no canto da boca, relegado à obscuridade ao durar o beijo. Parecem brigar por almejarem a antropofagia, tamanha é a voracidade e a sisudez que empregam em se encarar e em se explorar com o que resta de mãos livres. Sôfregos suam. Ele acaricia os cabelos soltos, bem pouco mais grossos, que brotam da nuca em locais esparsos. Ela se desvencilha a contra-gosto. Sugere que bebam e senta-se à beira da cama impregnada de cheiros de uísque e tabaco. Cruza as pernas deixando a mostra o vermelho roído das unhas dos pés. Apóia o copo no colchão. Afetando irritação prende os cabelos. Ele dá um sorriso contra-feito que pensa explicar e desculpar tudo para sempre a que ela retribui com olhar sarcástico. Ele senta também na cama e com isso derruba no chão o copo que estava apoiado apenas. Ela ri, diz que só tem dois copos e é bem pouco cavalheiresco a mulher partilhar do do homem. Ainda falham em evitar o olhar do outro. Serve-se. Ao fundo, Sus ojos se cerraron.

domingo, 18 de outubro de 2009

Only a southern song


Flatter to deceive:


to give the appearance of being better than the true situation
Cambridge Dictionary



Ele comprou um Zippo para o amigo (clássico, alumínio). Ignorava se ele fumava ainda ou não. Era inconstante nessas coisas e o número de cigarros era proporcional ao número de dias sem ver uma pessoa. Quem sabe ele não sabe fazer aqueles truques com as chamas e com a tampinha? Parece ter gostado. 
O amigo contando que quando foi testar o Zippo pela primeira vez, estava à janela e um vento alongou a labareda. Chamuscou a cortina, impregnando um cheiro desagradável. Teve de usar um livro, objeto mais à mão, para coibir o fogo. Conta isso rindo, perguntando se pode gravar com a chave uma caveira pirata na guitarra nova (Fender, Strat) e se desculpando por ter trincado num ponto o verniz da guitarra, quem sabe se não trincou a madeira também. Desgraçado. Disfarça a frustração com um sorriso.
Conta isso rindo, dizendo que não percebera quando acontecera, não a vira bater em nada. O rasgo está ali e inexiste conserto. Ele comprou em um dia mais roupa do que comprar em toda a vida. O isqueiro e cosméticos comestíveis. O amigo fará bom uso, pode se dedicar a queimar guitarras, à la Hendrix in Monterrey. A namorada não se sabe ainda, falhou em achar o que ela pedira.


sábado, 17 de outubro de 2009

A day in the life

And once again the monster speaks
Debonair - Afghan Whigs


Tiro os óculos e tiro o Scott Walker da vitrola, já é a terceira ou quarta vez que ele está cantando Seventh Seal esta noite. Trago fumaça e repouso o cigarro no isqueiro. A máquina de escrever deu um problema na correia e há algo a ser escrito. Ligo para ela porque se estiver acordada pode me alentar neste momento quase difícil em que estou ficando sem cigarros. O vinho já terminou há tempos, uma perda menor. O telefone dela não atende. Deve estar acordada, afinal dormir muito é para os fracos. Deito-me sobre o tapete puído, encaro o teto. Há uma mancha de infiltração perto da luminária. Impressão minha ou está aumentando? No prédio em frente ao meu há dois apartamentos com luz acesa, mas não vejo nada além disso. A cidade tem uns barulhos que são particulares a esta hora da noite. Me agrada saber que por muito só que esteja, uma vida pulsa dentro do emaranhado de postes acesos, portas fechadas e motos ocasionais se afastando. É boa essa solidão dentro da multidão. Gostaria de ver as reprises na televisão agora, se não a tivesse vendido há um tempo. Grupos de adolescentes passam em arruaça na calçada catorze andares abaixo de minha janela. Gritam, me exasperam. Hesito em retirar o Nabokov da estante e lembro da história, quando Harvard quis que ele lecionasse russo sob o argumento de que ele era ótimo escritor tanto em russo quanto em inglês, Jakobson se opôs retrucando que seria como chamar um elefante para dar aulas de zoologia. Ela me liga. Eu sei que é ela porque sei que ela sabe que eu sou o único que ligaria àquela hora. Me recuso a atender. Falta-me sono, mas falta-me também disposição para manter a conversa que viria. Uma mulher começa a gritar em algum lugar. Percebo que é no apartamento logo abaixo do meu. Já há uns cinco minutos que ela está gritando e percebi agora apenas. Me vem a sensação de que estive ouvindo o mesmo grito já há algum tempo. Ignoro o grito. Resolvo descer e tentar obter vinho no bar que há aqui perto. O elevador está pior que o do Pedro Juan Gutiérrez, não funciona desde que eu vim morar aqui. A opção pela escada é compulsória. Um certo alvoroço no andar da mulher que grita me diz que algo pode ter ido errado ali. Gente tentando arrombar a porta e um burburinho. Pelo menos oito pessoas, todas acima de oitenta anos; quase todas mulheres, tentam forçar a porta e gritando o nome da aflita falham. Desço mais um lance de escada, pensando em Raskolnikov, eu poderia ter matado aquela mulher e saindo aproveitando um descuido dos pintores. Quem me dera tê-lo feito. O grito já me perturba. É bom descer um pouco e com a garrafa de vinho espairecer. Tomar o sereno desta cidade que é mais acolhedora quando vazia. Abra a porta do prédio e duas prostitutas novas ali vêm falar comigo. Recuso-me a dar dinheiro e nesta hora sexo e anfetaminas são o que menos procuro. Elas saem fingido estar contrariadas. Compro o vinho, pois o bar estava aberto. O senhor que atende me joga um olhar complacente. Dono de bar toda a vida, era fácil para ele saber como é precisar de vinho na madrugada e como é desesperador não obtê-lo. Ele sorri e pergunta de futebol. Quero sair dali aquele bar é personalista demais, com aquela foto dos filhos ou netos atrás do vidro do caixa. Saio vagando a esmo e quanto mais me perco mais me vejo perto do meu próprio prédio. Estou considerando ir andando ao apartamento dela. Ouço o grito se aproximando de mim. É difícil acreditar que estou paranóico. Ouço o baque surdo enquanto tento tirar com a mão a rolha do vinho. Sempre esqueço de sair para caminhar com um saca-rolhas. É o corpo. A mulher se precipitou da janela. Engraçado como cair de um prédio não machuca a pessoa. Vi apenas algumas escoriações no rosto. A posição em que ficaria tinha seu quê de cômico. Uma massa informe unânime. Ouço a multidão atroando escadas abaixo. Em breve tomarão a calçada. Entro por um beco para que não me vejam e me decido. Irei vê-la. O fato de estar ali presencialmente a impedirá de recusar minha presença. Não será como ao telefone. As partes movimentadas da cidade de dia são as menos habitadas à noite. Esqueci de comprar cigarros. Paro naquela pizzaria vinte e quatro horas e compro um maço e uma caixa de fósforos. Compro um bombom para ela, apesar dela se mostrar reticente em aceitar presentes, quer se fazer de difícil incorruptível. É incrível como as cigarras não param de serrar nem de madrugada. A cidade está infestada de pequenos besouros que pulam na jugular da pessoa também. Esses eu mato chutando. Derrubo um e vários me atacam. O frio está longe de os incomodar. Um homem com uma jaqueta me pede que acenda um cigarro para ele. Um homem dentro do carro e pergunta se estou indo para a igreja e me oferece uma carona. Três mulheres barbadas me assediam ao mesmo tempo, querendo que eu lhes vendesse cocaína. Não pode haver más intenções depois das três da manhã. As pessoas querem se ajudar. Ouço música alta ao longe que parece ser rock 'n roll de hoje em dia. Evito aquela direção. E tomo uma rua que tomba para a direita. Três guinadas depois, chego ao prédio. O zelador me interpela. O interfone está quebrado. Subo de uma vez e toca a campainha. Ela abre a porta de robe, está fumando um cigarro também. Tenho certeza de que ela sabia que eu viria, pois na mesa estão postos dois copos daqueles pequenos e uma garrafa ainda fechada de Jack Daniels, ao fundo toca Gardel: El dia que me quieras.

Locus Amoenus

Sentados em um banco de praça desfiam confissões convencidos de que a sinceridade é o melhor de que dispõem. A sinceridade por palavras é melhor traduzida, quase desmentida, por sinceridade dos rostos. Mais de um afago verbal foi desmascarado por uma expressão. Os dois faziam isso, mas era mais frequente com ela isso de se trair. Somos melhor amigos é o tema e há pouco consenso, pois usam a palavra gostar em acepções diferentes. O tempo não passa enquanto vai escurecendo e há um sorriso (específico, não-corriqueiro) que paira ali. Não é presunçoso dizer que paira nos dois. Uma satisfação gerada por uma tensão que percorre os olhares. Tensão gerada  por escritos quase confessionais demais pousados entre os dedos. Desfiam histórias de sempre e de nunca que embebem o interlocutor, a ele principalmente. Ela notou que ele cortara o cabelo, ele notou que ela vestia pela primeira vez um shortinho. Conversam de poesia porque isso os juntara, conversam de todo o resto porque isso hoje os junta. Falam da efemeridade de esmaltes e de besouros.  Um momento diáfano que um dos dois ou os dois quer perpetuar e proteger dos postes que acendem. Tudo é puro por mais que descarreguem algo fortíssimo que os une. Tudo são clichês porque tudo é novo e inspirador para um e para outro.

De um desvario desvio

O dia sorri sarcástico
Para mim
Um filme diria que é deus com sua lupa
Vendo-nos, formiguinhas,
Contorcer-nos
Se saio à rua e grito e armo
Um escarcéu porque estou feliz
Outros me olharão acusatoriamente
Esse aí bebeu demais ou
Está amando, pobre tolo
O dia está me dizendo vá lá
Beba demais
Ame-a
Baudelaire já fez poesias sobre isso
Sacuda os ombros das pessoas
Inocule poesia em suas veias
Caquéticas
Vinho a todos e
Amor aos que o suportem

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Haicai Head Held High

A vejo passando
Com um olhar desdizendo
Tínhamos que ser

A culpa

Ele soube e por isso se condoía, queria negar. Se estavam juntos por algum motivo, se havia algo mais ou menos estável para ser celebrado naquele dia, era porque havia uma admiração implícita em tudo o que faziam. Ela o incentivava, revisava, elogiava; gostava dele porque, segundo ela, era o melhor poeta que ela já havia lido.  Descobriu que, na verdade, o contrário acontecia e era um problema. A primeira vez que se falaram foi sobre poesia. As conversas antes e depois do sexo eram entremeadas por poesias, mais de uma noite já fora arruinada por um verso mal-posicionado. Vinham se aprimorando e tentavam agora caminhar olhando nos olhos um do outro e declamando. Tropeçava-se um pouco, mas era necessário. Não é difícil perceber que este era o leitmotiv da junção destas duas pessoas, nada de assomos líricos instantâneos, almejavam à poesia integral. No começo, bem no comecinho, ele não soubera que ela escrevia também. A relação centrou-se na produção dele, elogiadíssima por ela, o que o fazia se sentir muito bem em relação a ser poeta. Um dia em um café surgiu uma caderno onde ela passava a limpo todas as poesias, gerando nele um outro tipo de interesse. A fase de agora era problemática. Se tudo surgiu de um interesse dela pela poesia dele, a constatação de que ela escrevia não melhor, mas de um jeito que ele queria escrever, era avassaladora. Seus versos analíticos, descritivos, comedidos ansiavam e suplicavam por ser escritos na forma dela, personalista desmesurada, num desvario único e indisciplinado. Não era difícil associar as diferenças na escrita a diferenças de personalidade, ele monótono, ela passional desvairada. Incomodava saber que se ela gostava dele, ele não retribuía a altura. Se ela o fazia querer cada vez mais ser poeta, ele negligenciava a produção dela. Estava embaraçado, devia valorizá-la ou ela gostava de tudo desta maneira? A admiração da poesia dele era a clef de voûte da catedral que haviam construído dentro daquele apartamento minúsculo que alugaram, sem ela tudo ruiría. Estava prestes a ruir mesmo. No dia em que percebeu que gostava mais da poesia de outro que da sua própria, ele que sempre fora orgulhoso, começou a achar defeitos desagradáveis nela, saiu de casa. Sentado no bar na esquina do quarteirão pede um uísque de milho e compra uma carteira dos cigarros de sempre. Não sabe se volta à catedral, já profanara todo o sentido de sagrado que ele lhe dava. Vem à mente o conto do Fonseca onde a mulher vive com um escritor por quem é apaixonada e modifica todo o livro que ele lhe dita, transformando na obra-prima que não era antes. O escritor, é claro, só descobre isso depois da morte da mulher. Pede mais uma dose e acende outro cigarro, talvez peça uns torresmos, mas não sabe se é lá muito poético. Se recusa a entabular conversa com o garçom, fecha-lhe a cara. A vê na porta do bar com uma expressão exigente de uma explicação, ela vem senta-se à mesa com ele e pergunta.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Jograis vs. Ombudskvinnas

Are you under the impression this isn't your life?
Wilco (the song)


Dias com menos sentidos
Menos motivos
Para se sentir movido

Solto por inércia num vazio
Evitando algo
Tomo um desvio
Quero um fim,
Não sei lidar com o meio
O alívio
Da superação da travessia
Trocar o ontem idílico e o
Amanhã sacripanta
Pelo hoje como for
Realizado

Findo um sim mútuo
Um tempo em que não (se) soube
Juntar os pedaços de cacos
de estilhaços promissores


Impassíveis perscrutam um o rosto do outro

Inconcretude da possibilidade
Concretude da impossibilidade
Impossibilidade dá concretude
Concretude é impossibilidade

Esqueci minha senha

Jaz subliminar uma memória
Que não evoco porque quero
Falho em mentalizá-la concreta,
Mas a sei no meu subconsciente
Pois sua silhueta se insinua em
Tudo o que faço

Há uma metáfora que perdura
E não traduzo aqui
Não sei se um sorriso, um olhar
Uma frase, um gesto
Rege-a príncipio de incerteza
Que tampouco confirmo existir.

Contrariando expectativas
Confirmando hesitações e temores
Opera-se um afastamento gradual:
Indesejado, trará alívio
Falhei em
Querer poder demitir a inspiração

Em prol da sanidade
Agora põe-se tudo a perder
Em nome do que já foi

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Be your own PET

...as puzzled as a newborn child
Tim Buckley - Song to the siren




Já que o mundo é uma garrafa:

O que sinto é o ar que a circunda
O que sei é o ar que a preenche
Porque 
Plástico é o que ignoro
A diferença de pressão entre o de fora
E o de dentro aplicada
Deforma onde habito

Silente aguardando
Um sorriso

sábado, 10 de outubro de 2009

Suspiros Soviéticos

Os campos vastos de centeio inculto,
Pinheiros e lagos de superfície rígida
São um espinho que me fere
A alma
Florestas robustas como as mulheres
Da terra, cujos rostos ruborosos
Lembram
O por-do-sol sangrento deste

Vasto Cáucaso
Fértil terra de meus ancestrais
Seus montes ressoam à luz
Da lua dos lobos
Ó tártaro deserto infinito, inferno
                                               [romano

Os vales e as colinas já não mais abrigam
Recordações dos tempos
De jogos entre os juncos
Dos pântanos
Em rompantes me vens à mente
Bosques que crepitaram
Sob meus pés já não existem

São memória morta como
A lenha do fogo extinto de
Minha choupana

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Proporção

Tempo -------> Ampulheta
Matéria ------> Espelho
Fatos   ------> Poesia
Mentira ------> Jornais
Falácia ------> Deus
Silogismo --> Prosa
Pareidolia --> Arte


Nada ---------> Vida
Tudo ---------> Vácuo
Algo ----------> Nada
Luísa --------> Presunção

Até aqui nos ajudou a gloriosa Isabella Carrazza, em querendo completar deixe sugestões nos comentários e eu vou agregando


Tríptico náutico

À deriva
Pervago um oceano
De certezas

Sem terras firmes, ancoradouros
Com as velas cortadas
E amarras roídas

Ela me deixa, dizendo:
É doce morrer no mar,
Corpo às intempéries

Meu trirreme ruiu
No caminho entre Tiro
E Trípoli

Uma tempestade
Quebrou o timão
E jogou o servente

Do cesto da gávea
A culpo por não salvar
o barco ou salvar a mim

Mantendo-me aprisionado
À grande planície azul
A seu bel-prazer

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Pray for the locust

Uma folha cai
Com o menor ruído
Discreta sem alarido
Como num haicai

Como nua cai
O sono a arranca da noite
A põe em outro dia

Em suspensão se esvai
Num lapso não apto, num açoite
Desmantelando harmonia

Rompe o compasso havido,
Fora-de-si, vai
Arguta subtrai-se
Tendo uma folha sido

Como lua sai
À caçada fazendo corte
Às outras em agonia

As escamas de um samurai
A espada, pecíolo comprido
Um êxtase presidido
Por um harakiri a mais

Primícia

Meus dedos gastos
Cheirando a cigarro
Dedilham ao bandoneón
Um fado
Inefável traz
Ansiada boca e sorriso
Afastando-se não verbal
Tacitamente
Discordo e desaprovo
Tento retomá-los
Sem saber por onde
Terminar de fazê-lo

Aos Plantagenetas

The nobility of England, My Lord, would have snored through the Sermon on the Mount
Thomas More (A man for all seasons)

À Isabella, meu bubu


E sonhei e gritei
Eu plebeu
Disfarçado de rei
Parlamentarista

Obedeço, como plebeu,
A uma voz
E mando construírem um sonho
Mas não governo as
Obras
Que acabam parando,
Sendo implodidas

Irascível puno e sou punido
Pelo embargo onírico

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Para a Júlia motorista

O primeiro onipotente dia
Dela como motorista
Coincidiu com um meu dia
Comum insuperável que não termina
Choque de sensibilidades
De final de jornada
Quando a alma já está cansada do corpo

Me buzinou duas vezes como
Fizeram com ela
Eu que não tinha nada a ver e
Tudo para superar de desgaste

Tierra Adentro

Minha bússola indica urgência
E aponta entre dois polos
Desdém e proximidade
Me é difícil
Escolher pois a variação é aleatória
O que sinto me impede
De desconfiar de suas verdades
Singular orientação
Me impõe desvairadas
Desconfianças sobre para onde seguir
Entre um sul que anima
E me exaspera pela felicidade que promete
E um norte que desde já me desengana
Promete hesitação, o que me agradaria
No longo prazo
Se tivesse de lutar para obtê-la

Um dia comporta sempre variações
No rumo
Que não planejo ou desejo
Mas que é impingido
Àqueles que se aventuram num mar
Incerto porque prometedor
De paz, e delicioso porque prometedor
De guerras

sábado, 3 de outubro de 2009

Pareidolia

Somos duas paredes brancas
Cuja sincronia&espontaneidade
Impede a procura de caminhos
Há trilhos invisíveis que nos impelem
Aonde queremos ir sem
avaliar a proximidade ou
A lonjura da colisão
Combinamos num sussurro
Sem saber
Descarrilar e tomar o mesmo rumo
Ou quebrar um farol e
Parar de escrever

Mentira, ferrovia não é
Camisa-de-força
Faz o que se quer
Feito
Mas ao mesmo tempo e
Olhando nos olhos para não perder o ritmo

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

ArgumentumOrnithologicum

Os pássaros de Borges voam
De uma árvore de possibilidades
São contáveis por um deus que se disponha a fazê-lo
Um homem, em suma, que ao desenhar o universo 
Esteve sempre desenhando a si mesmo 
Não a/há um deus
Porque não há necessidade de contar os pássaros 
Desta ou de qualquer outra árvore
E cada desenho de cada universo
É pessoal e intransferivelmente não
Hierarquizado
Não pode haver Um deus pelo motivo de
Dois espelhos gerarem
Infinitos outros e dois universos
Gerarem infinitos outros que, na verdade,
São os dois originais e intocados
Que, levados a nocaute,
Se fundem.

Oscuro

Quando a sombra se introduz
Pela fresta de uma janela
Percorre alguns corredores
E me atinge em gradações
Até então impensadas
A interpelo quanto a suas intenções

Não se resigna ao lugar de
Oposta à luz
E persegue a vários
Indignada em ter de atrelar-se
A apenas o que ela permite
Ou proíbe, simultaneamente