sábado, 18 de dezembro de 2010

um anão espirra
há um ano
resiste cáustico à condescendência
das risadinhas
de quem passa
e que segundos antes de ele
chamar a atenção
o teria pisado
sem querer
se os olhos de conta 
de um pássaro de vidro atravessarem minha pele, 
esbarrarem nos meus 
ossos e pousarem entre meus dedos 
da mão direita sem estar contagiados pelo tremor, 
cronometrarei a pedido deles a frequência cardíaca 
dos espasmos tossidos por acomodações de terra 
dentro do meu peito


transparentes introspectivos
tufões intrusivos não convidados,
são a pedra rosetta de 
hieróglifos privados
um rato silente, monástico de modos
emborcou um contêiner com estardalhaço
espalhou cheio de lixo sua busca copista
em detrimento de detritos, atrás de comida
e de uma dimensão menos confiável da sua tarefa
roeu o fundo do contêiner raspou tanto
degradou a junção da rodinha de metal
com o contêiner em si
corrompeu o claustro numa missão
solitariamente
a busca que o encapsularia de vez
o contêiner emborcou e mesmo com todas
as cascas de alimento a disposição
não se embriagou na glutonice
nem se resignou a ter perdido o fundo
que raspava, quiçá procurando um alçapão
que o escondesse de vez

agora presença escancarada
a céu aberto, a vista de todos que perscrutavam
o estrondo do metal raspando o asfalto
indagando tesouros ocultos lixo adentro
envergonhado de fracasso ignorante de outros esconderijos
por perto optou pelo esgoto, cansado de roer
aliás, aposentou-se como impostor
declarado de sua antiga personalidade

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

avental plúmbeo para resguardar
as vozes do ambiente externo daninho
para fazê-las rebotar e voltar à garganta
retroengolindo vômito próprio

represadas as manifestações
contidas as externalidades
açoreado o rio que liga uma língua à outra
emasculados manequins desfigurados rostos
pra começo de conversa
carapaça disforme de carne fraturada
e fome, cuja sede dos dedos
escarafuncha outras carapaças e carcaças
que semeadas no solo
começam a brotar
no campo de possibilidades
onde a catação de costas encurvadas

canibalmente almeja
à forma e ao vigor da presa vestigial
vigia com os olhos recém digeridos
em torno outros corpos
sob intermitência reticente de estrelas

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

jazigo de que flores brotam
colonizado por vida qual um livro
cujas páginas amarelaram

enclausuradas a si mesmas
entregues às traças pioneiras

jazigo cuja flora intestinal
viceja às custas de rachaduras
na pele da terra que sepulta
monologuei baixinho com meus botões
alheios a que os tamborilem dedos ávidos
escarafunchando as vozes do meu casaco
usado dos friorentos anteriores

um fio solto, uma fibra desgarrada ou
tornada a tecer, um volume no bolso incômodo
outros que habitaram este casaco imiscuem
seu dna ao meu a cusparadas
de passado imposto
Te interceptei a tempo, enquanto você apertava o botão do elevador que eu demoraria três minutos e meio, aproveitados pra escrutinar seus olhos em busca de vestígios de nós, para lembrar que estava pifado. Te interceptei é modo de dizer: eu ouvia Vanguart enquanto você convencia a si mesma a dar uma volta, quem sabe se pra pensar ou pra esquecer do tempo que eu acabei de pedir. Quando você me pediu para ir trancar a porta, tentava me estimular a revisar um texto tentando fugir da visão caótica das nossas coisas imiscuídas impregnando a mesa tal e qual o cheiro de verniz e lixo impregnaram o saguão do elevador durante o tempo todo que durou o duelo dos olhares. Neste instante o celular que você esqueceu aqui, usualmente pouco precavida, tocando o alarme que nós combinamos que seria a senha para nos acordar de uma soneca vespertina me diz menos sobre a marcha das coisas numa língua mais incompreensível do que a do amor, o celular me interpela na língua do atropelo, improvisa como eu improvisei mecanismos de achar as razões que me desestrangulassem. Te interceptei na justa encruzilhada em que diversos de mim tratavam de se fazer de surdos aos apelos próprios e aos dos outros. Quando eu me lembrei do mau funcionamento do elevador de serviço, você entrou de volta no apartamento me fazendo achar que tinha capitulado, só foi atrás de papel para se desafogar, assim como eu faço e tento fazer, embora já seja tão inútil quanto previsível – e verdadeiro – dizer que não quero males distribuídos a esmo, nem quaisquer outros males. Um beijo de esquimó nos selou, logo da chegada que deixaria por último rastro seu antes do tempo a faixa estreita dos seus olhos que a janelinha de vidro da porta do elevador antigo permitiria.