terça-feira, 15 de junho de 2010

comentários discursos
todo mundo tem muito a dizer
sobre o silêncio

domingo, 13 de junho de 2010

foi em março que aconteceu
choveu chuva de sapo
espatifada nas janelas desenganadas

até as estátuas rindo
até os bueiros coaxando
quer dizer, foi diferente
ligeiramente de outra forma

a bola saiu, José devolveu com um chute

sábado, 12 de junho de 2010

seus olhos, constelação
no infinito que encosta em mim
estrelas que tem o seu nome
mas estão longe de conter
a cor dos seus olhos por trás do sol:

um arco-íris em que mergulho

seu sorriso uma janela aberta
uma moldura do meu mundo
nossos ângulos de ver o céu
soube pelo céu
sinais no céu
uma nuvem soprou no seu ouvido, percebeu?
sem perfeição
ou lirismo etílico
com raiva suspirar
e em seus olhos perceber
o que os pássaros vêm comentando
que senti no pulso das suas
veias que não vi,
sangue rápido e nosso peito arfante
no mesmo compasso

um aceno a distância
da janela aberta de um trem
que vem chegando

se somos um elenco
um diálogo no escuro do seu quarto
o enredo do nosso ato
é o começo de um final feliz

quinta-feira, 10 de junho de 2010

máscara grega, nô, bushido, kabuki, aborígene, tribal, de darth vader
carapuça, tótem, mortuária

pra quem fala de teatro do mundo
eu escrevo do elenco dos rostos
do maquiagem do rubor, do desprezo
das falas truncadas dos gestos
erradios na minha superfície
que são os arranhões de contatos com palavras
também conta atravessar a rua pisando só nas listras brancas
da faixa de pedestre
usar meias coloridas, pela casa toda
doces japoneses e queijo e batata palha
e medo de abrirem a porta de súbito
e de te carregarem por aí
e de soprar dentes de leão em qualquer lugar
e de temer pedestres e de não temer passageiros de ônibus

achei a florzinha que você me deu
amassada, achatada pelo meu bolso

quarta-feira, 9 de junho de 2010

pra Ferdi


também conta atravessar a rua pisando só nas listras brancas
da faixa de pedestre
usar meias coloridas, pela casa toda
doces japoneses e queijo e batata palha
e medo de abrirem a porta de súbito
e de te carregarem por aí
e de soprar dentes de leão em qualquer lugar
e de temer pedestres e de não temer passageiros de ônibus

achei a florzinha que você me deu
amassada, achatada pelo meu bolso
contrarrazões de ser quem somos
desarrazoadamente razoáveis
sem motivo aparente
via de regra é ser isso aqui
de ganhar dinheiro e ter aonde
ir e fumar na área reservada para tanto
em princípio não escapar
de ser a grade que prende os outros
agrade e pense em ser
facilitador das trocas humanas
dissolvidas em medíocres planos
pontos de vista
linhas de pensamento
correntes de opinião
razoavelmente raso rastro
de não deixar pegadas ser mais cômodo

que ferir a preservação das faces
que ferir o seu final feliz
em que a merda vai pros outros
em que a merda não é você
mesmo que ela seja
mesmo que seja eu essa merda
que escreve algo feio na parede

não deixe mesmo vestígios da sua passagem por aqui
é o mínimo pra quem ao invés de flutuar
quer constituir família estável com emprego
oi, você viu que sobrou nada?
que começaram a construir um estacionamento no lugar
carros que são gaiolas aprisionados
rugidos não deixam dormir os mortos
edifícios encima de um cemitério

ferragens no lugar de pessoas
scherzo mecânico em três movimentos
substituíram as cidades de carne e osso

cada voz é um elefante
que se retira, prestes a morrer

segunda-feira, 7 de junho de 2010

minha caligrafia é uma versão feísta
da ilíada
canhotamente transcrever aquilo
em que já me esboçaram
ser um percebido personagem que esqueceram
entre as tropas de heitor

minha figura é
boneco de palitinho
antes das linhas de esboço
de um desenho

e por aí vai
com a voz ex-orquestral
com os gestos de porta-voz demitido 
com cílios que já foram cortinas
do palácio de um cônsul
com uma constelação embaçada de olhos
que já viram toda uma história
                   destinada a eles

rascunharam no meu corpo uma versão
que esqueci de preencher
quantos copos aguentar
quantos quilômetros caminhar
quantos sorrisos de mãos dadas
quantas guitarras em pedaços
quantos cigarros me pedir
quantas versões couber
quanto drama sobre ficar velho
quantas fichas de sinuca seu dinheiro dá?
quanto quer receber depende
quanto fica tudo
quantas músicas no rádio
quantos ontens atardecidos
quantas lágrimas!
quantas de alegria?
quantas de tristeza?
quanto vento represado, fecha a porta
quantos à noite nos vemos
quantos naufrágios, com mastros pra fora d'água

tanto o tempo passar é ruim
quanto é bom aprisioná-lo nos olhos
depois das horas
em que movidos os objetos sob a água
fora de perspectiva
de contornos borrados

as fotos que mergulhei num aquário
não precisam de aprovação

são uma memória flutuar
escolhida dentre todas
seleção de vultos numa caixinha
meus fantasmas seleciono.
a tarde caiu num frio
invadiu os campos com seus espectros
de cores mortas

melhor que congelado
o sol despencar em tiras como grades
aprisionando os membros que deixam
cair pelo caminho

na frente os velhos e crianças
as mulheres chorando neurastênicas
gente que a guerra fez tremer
que acham orgulho em andar maltrapilhos
pedindo

os combatentes, as baixas
os que realmente foram mutilados
na retaguarda
de carregar últimos olhares consigo

um exército perdido em manobras de recuar
é o declive daquela colina
os presságios escondidos em nuvens
o labirinto de trincheiras mal-traçadas

marcham a um país que pertence
a memórias cujas ruínas
não são o mapa do que perderam

um sol e uma lua
bosques que espreitam
cidades da terra arrasada
suspiram por baixo de um lençol de neve
que não desvendem os pulsos

marcham eles, que mutilados de gestos
e de língua,
perderam quaisquer línguas de sinais
e sinais na pele indicam uma direção
de volta ao campo de batalha

e correm
e esperneiam
e berros mais altos que bombas

a marcha dos que perderam alguma
coisa se arrasta serpenteando
a estrada suja

pisando merda, comendo merda
entre os corpos que tiveram
a sorte de não sobreviver

terça-feira, 1 de junho de 2010

pra Ferdi porque inspiração é 




Como "um estou nas suas mãos pra decidir, a minha vontade é a mesma do começo". 
Porque amo mostrar que amo. 


As lágrimas já aprenderam o percurso trêmulo do rosto 
o silêncio são as perguntas mais profundas sobre o mesmo tema
porque amo por que mostrar que amo
e se ninguém acreditar ou quiser saber
eu for uma palavra na areia da praia que você prometeu
contra o vento você quem sabe porque a partir do momento em que eu sei
ponho tudo à sua vontade as lágrimas como facas
já aprenderam a me sulcar a escrever versos na areia que sou
versos demonstram nada e eu devo ser mentira a essa altura
disfarçando a letra pra ninguém perceber
que eu não sei escrever sem ser na sua caligrafia

segunda-feira, 31 de maio de 2010

a um cantinho que não é o seu
há uma esquina de mim que se arrebenta
por falta de dedos pra te tocar

há um canto em mim represado
notas que não sou eu

que são as nuances do azul no seu rosto
ser um céu menos nosso
que quando acreditar em mim era fácil

não peço desculpas por te amar
e por ser um erro à sua frente
só não esqueça que o que foi poder ser
está nas suas mãos

distância longa de alienação de fuga
enquanto só aspiro a
encontro de toques reverberando na noite rápida

você que sabe.

domingo, 30 de maio de 2010

a partir do dia em que
roupas em chamas e gritos surdos
descabeladas olheiras
a vi correr de si mesma
se esconder na própria sombra
hoje me perguntam de voz
logo eu que estou rouco
sem preferir o silêncio
quiseram saber
de poemas atrasados
só porque estou te esperando
as duas mãos latejando
seja lá por que motivo
doendo doendo mesmo

e esse poema sai ainda
curto, começado com um verso de um sonho
quase tão trêmulo quanto eu
como se eu o verso e sonho
escrevesse com a mão direita
no final eu acordo e o poema
sai, está aqui pra te dizer

você é minha caligrafia

sábado, 29 de maio de 2010

não é um labirinto argentino
de tigres e espelhos
ou ficar bêbado sob uma marquise de prédio
tendo perdido dinheiro nos cavalos
ou uma promoção de livros
a cinco reais
ou perder a carroça que me levaria à cidade
pra conseguir um emprego

já foi, agora é
é andar na rua provocar arranhões na pele
esbarram de raspão e fazem sangrar
seus sons furam os tímpanos

quinta-feira, 27 de maio de 2010

calei uns versos flamejantes no caminho
esperei na estação deserta de taxis
e vim andando sem vender uma linha
uma xérox, um aviãozinho, um tsuru, nada
porque só trago poemas inúteis
umas rimas que qualquer um podia encontrar
expiro fumaças lascivas de te escrever

não sou eu que vou reter as palavras que são
e as que não são/ as que são nossas a cama lembra
guardou sob o lençol
as que são dos que fui o papel cuspiu fora
lá fora só são caroço de melancia intermitendo o chão estrelado

os passos ecoam na beira da estrada
à margem as margens delineiam máscaras
esbofeteadas de palavras que se rebelaram do cativeiro
escorreram da boca e não foram bem recebidas