e lá parece uma caverna
com os livros arrumados na estante
e com aquele hálito de tempo
preso entre os dentes com dois habitantes
presos entre os dentes
depois que os filhos foram embora
e só sobraram os dois no baralho, no piano
o pátio com jardim de inverno
com plantas escalando as paredes cobertas de musgo
com janelas encima e embaixo
silenciaram a conversa que mantiveram
entre si a noite
quando as crianças dormindo
a piscina estancou de azulejos trincados
dedos enrugados sobre a teclas de quando tudo passou
nos retratos da parede
é só onde imobilizado persiste
no sorriso da fachada
cáries onde os pássaros pousam
no grunhido da porta que é
o dos habitantes, há o caseiro também
espanando o pó
como se houvesse volta, mas não sei
as cartas se empilham sobre a mesa de jantar
e o pulso do piso esmaecido da cozinha
e um vaivém de passos antigos
e de correrias de meninos, velhos agora
prováveis latidos a encher a casa por dentro
estofar o que agora murcho
jaz a um fim de rua, sem saída
claustrofóbico telhado que a cada minuto mais próximo de ruir
chega mais perto do chão
abafa a respiração do que sobrou lá dentro
do velho, da velha e dos móveis saudosos dos tempos em que
as janelas armazenam ninhos de pássaros
nas reentrâncias que o tempo arranhou
coçando as paredes, desfez a pintura
e uma revoada de percevejos coloniza sob o colchão
os olhos da casa semicerram a rua
cada vez mais
uma cadeira de balanço
em um alpendre embalado pelo vento
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