quinta-feira, 22 de julho de 2010

vagar por estas ruas de vazio multitudinário
[num estertor de fôlego extraordinário
é entrar cada vez a um banheiro público
amplo e de limpeza fingida
cujos boxes emparelhados
são gestos das pessoas

portas que encerram alguém
em pose insólita e querendo se libertar.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

na terra amassada sob a passagem de um trator
as marcas das rodas têm
a forma de uma coluna vertebral
mas isso não é poesia

um céu intermitente no corredor,
o poste pisca nosso fim de poema de fora da janela
nada de nada
nonada
teu ouvido surdo a vísceras espalhadas na estrada
imprecação contra o deserto
e carruagem de fogo desenfreado.
nem um tiro
pelo seu ouvido só passa mel
e chiados de televisão:
chuviscos de vida interferidos

nada de nada é tudo de tudo
que a tua poltrona veda a visão
periférica da periferia
de si e do mundo

mar atroz nunca dantes navegado
por quem só ouve o melífluo
do melífluo canto das sereias

e da poltrona
aquela poltrona que já se amolda ao corpo

nada de nada se eu quero violência
e as palavras são as paredes acolchoadas dos outros
Ônibus rapidamente convencem as pessoas
a sei lá
serem menos elas mesmas
porque apertado ali num cubículo de metal
lata de sardinha
ninguém é alguém se não for
em contato indesejado com o outro
ninguém é ninguém
e ninguém olha olhos se não forem
os de si mesmos refletidos no vidro
da janela do Ônibus que projeta rápidas
cenas de vida exterior
borradas, de que nós passageiros estamos excluídos sem rumo

é isso, não?
estamos excluídos
apertados em contato humano indecifrável
como as palavras que soltas ecoam dentro do ônibus
e não extravasam
para ser ouvidas pela vida real

ninguém é satisfeito ali em pé
esperando o próprio Ônibus
porque todo mundo é.
uma nuvem desceu e disse a quem esperava
pela vinda das nuvens que deus perdeu o ônibus
e o meteorito atrasou
e de tudo que se esperou
só o que vem agora é o sorriso dela.
a formiga cruza meu caminho
áspera
fila delas liga uma fronteira a outra
e forma meu corredor
eu ladeado de formigas, só sei aonde vou

quinta-feira, 15 de julho de 2010

vão ficando pelo caminho
migalhas de máscaras
que os corvos devoram

lágrima de sal, estátua de vidro

terça-feira, 13 de julho de 2010

Me dá a mão, menino
e se certifique que dos dois lados não vem carro
e que nenhum meteorito, bituca ou frisbee
acertará nossa cabeça

na verdade é melhor você ficar aqui dentro do carro
ou não, ele pode explodir
pálpebras quase encostando
sem café afasto
não quero formar mentiras
que outros já contaram

falar de algo novo
nunca antes sentido
ou mencionado algo que não cabe
atrás da cortina das palavras.
cordilheira fora dos padrões
nuvens vistas de cima dos prédios
flutuo nos olhos que são oceano

segunda-feira, 5 de julho de 2010

o galho lá balançando
quando ex-poleiro da coruja recém-decolada
guarda vestígios ele mesmo de ser

parte do vôo
parte da coruja

domingo, 4 de julho de 2010

pra Fernanda: cujos olhos...
ah -suspira-, cujos olhos...

um avião dentro do peito
a garota aponta o céu
o mundo das nuvens em que flutua
o corpo a cabeça e o resto

beija-flor pousou
no pulso do meu amor
e pelo pulso sentiu
que é amor assim
cuidou, a flor abriu

seu sorriso floriu em mim
nuvens são dentes de leão que o vento desfaz
seu toque desabrochou meu peito entregue.

sábado, 3 de julho de 2010

na minha contra-mão
com um rosto antigo de vincos
carregava sacolas na esquerda
e uma criança na direita
diferente rosto

nadávamos incógnitos na estrada menos percorrida
carros alheios são parede daquele corredor
que contorna
não se insere no labirinto que duas pessoas são

na minha contra-mão com um rosto límpido
se a expressão é o que pensou,
a vontade da criança de ir aos lugares
que a proteção da mão que a segura impede
também é uma máscara igualzinha

eu de volta
eu no princípio da descoberta
achando aquilo inédito mais uma vez
meus arregalamentos inauguraram as coisas
estranhas num começo derivando a grotescas

um meu espirro checou em torno e encontrou saída;
antes que alguém puxasse assunto
passar direto evitar que cutuque

pior que papagaio no ombro
pior que mariposa ser um tapa-olho
eu de vinda e ele de volta
mas à sombra da parada de ônibus ainda é só
o homem vestindo máscara cirúrgica

sexta-feira, 2 de julho de 2010

lá depois do campo aberto
o corpo vê um barco acenar a distância

por entre cimentos abissais e construções
um raio-x atravessa o ar
e atraca à beira do lago

ondulante vento
ondulante água

ondulante corpo
sob o sol vigilante
a trêmula miragem

que a memória é
achou ver o barco

uma sombra sugeriu o barco
tão liqüefeito quanto o lago
e o corpo acreditou