terça-feira, 29 de junho de 2010

Nocaute poema

10. estalar---------arquibancada
09. câmera: close no ringue
08. escrever------briga, hematoma
07.
06. soa  o gongo  
05. linha de rinha
04. de galos
03. traços vermelhos: 3 no ar
02. separam a briga do público
01. a linha do papel é a distância
nocaute: entre escrever e o estalo

precauções com o lutador caído:

o locutor  aliviado com o fim só quis participar também
pular da platéia ao palco
também beijar a lona

inspiração é tapa no saco cheio dos treinos, é assistir na tv
poema é cruzado deslocador da mandíbula

segunda-feira, 28 de junho de 2010

- tá vendo aquela flor ali, Bia?

- a roxa?

- essa não a outra, a mais comportada

- que outra?

- aquela branquinha ali no canto, quase escondida

- ah, tô vendo sim

- então

- que que tem ela?

- então, a primeira flor que eu pus no cabelo da mamãe foi uma daquelas

- antes das coisas acontecerem do jeito que foram?

- sim, a gente apaixonado e tudo mais

- por que você fez isso?

- porque a gente tava passando nessa exata rua e eu senti

- e aí você segurou a mão dela?

- uhum

- e por que não faz mais, papai?

os olhos baixos dele acompanham uma tosse contendo um suspiro

- deixa de pergunta difícil, querida, que senão a gente vai se atrasar

- mas você ainda queria pôr uma florzinha dessas no cabelo dela?

puxa a menina pelo braço resmungando

- sai do meio da rua, Bia, vai que algo nos atropela.

domingo, 27 de junho de 2010

aquele mendigo me disse que é,
e ele não mente,
a hera que se infiltra nas rachaduras do concreto
como se a fome disseminasse a fome 
por trás das moedas esparsamente jogadas na caixa do instrumento
como se os acordes desse saxofone reverberassem
nas infiltrações da cidade e das pessoas
lágrimas feitas de notas musicais
estátuas que extravasam sangues pelos olhos


um apóstolo de pedra-sabão comovida
o desdém eqüestre de um marechal de mármore espada em riste
os berros de desbravadores comemorados em praças em honra a


o mendigo é uma planta que infecta
a calçada com os feixes de notas 
que arremessa 
braços vegetais abraçam a cidade em ruínas


aquele prédio chorando
aquele automóvel delira
assim que fome deformante daquele bebê ecoasse 
nas vontades dos rostos dissonantes
a música dele perpassaria transpassaria pervadiria


onisciente sax onisciente céu observa


agora imaginem se na porta da loja
famosa
se postasse um mendigo assim
que derrubasse máscaras
e atraísse os pássaros
só com soprar num pedaço de metal


uma música o mendigo oferece
uma fome o mendigo suplica

quinta-feira, 24 de junho de 2010

queridas árvores,
ontem uma gota de orvalho pousou 
sobre a folha
que acabou de cair 
de mim

gota lágrima de recém-nascida 
pelos sulcos da pele estrelada

queridas árvores,
um passarinho entrou pela minha janela
e deu nome de novo às coisas

nomes novos: rastro de formigas chão adentro
inauguram a nossa civilização de árvores
nos silêncios recentes das pessoas

segunda-feira, 21 de junho de 2010

vazia
vaza a ira
vadia

sábado, 19 de junho de 2010

nem que calassem as pedras
e as caravelas ensurdecessem
à paisagem que você vê da soleira
de madeira gasta da sua porta
em parati faltariam palavras

o calçamento da rua sussurra
sob seus pés, encosta o ouvido no chão
atento pro coral de vozes das pedras

nem que calassem o vendedor
de doces e o piano da donzela
(n)o fim da rua fosse demolido
só passe em silêncio, a hora do por do sol
na baía guarda histórias
atrás da montanha

sim, a lâmpada a gás, inconfidente
o mascate enuncia um discurso
no púlpito do teu peito atônito

não esquece que de quarenta em quarenta minutos
é a vez do rio ser a prosódia da cidade
a torrente de gestos invade os habitantes
o contato frio das pedras encharcadas
recém úmidas da língua do rio

cultiva musgos entre os tijolinhos
da cidade que estreamos
porque a secura do concreto precisa de um rio
colonial e muito antigo, com vista pro mar

sexta-feira, 18 de junho de 2010

a primeira vez que berenice viu um corvo pousado num fio de eletricidade
um corvo quebrava o ritmo daquela linha
era a vírgula mal pousada no fim de tarde da vista da nossa amiga,
que sentou num tronco cortado, cruzou as pernas e se dedicou a contemplar
o desprezo do pássaro balança com o vento, que não a olhava nos olhos
quis de algum jeito uma escada e segurá-lo entre os braços
tirar ele dali, daquele varal a um canto da cidade:
naquele frio e naquele vento parecia ensopado um passarinho
empalhado empilhado numa prateleira

os vôos de pássaro e as palavras de menina
carregam no bolso uma relação que pouca gente descobriu
um precisa do outro pra existir
a palavra voar e o vôo apalavrado lhe pousar no rosto.
raio-x
de dentro pra fora
os ossos do passageiro
enxergarem corpo afora

o coração do outro lado
o fígado substituído
o braços secando em um varal

detector de metais de dentro
marca-passo, podômetro?
nada disso, é saber que quem está perto
deixa digitais por todos os lados
trepido em me afogar

um sonho claustrofóbico
de paredes, cal invisível,
castradas, rosto deformado

a
f
u
n
d
a
m

sem tipografia
sufocado entre as paredes
que me velam ao dormir

repetem e voltam no início,
uma torneira vazando no escuro
pinga suor
acorda quando prefere
do sonho claustrofóbico de janelas
que devoram a própria cauda.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

há tempos eu não ando na rua
pra ver se o asfalto ainda pulsa
como os olhares famintos das pessoas
avidez de movimentos

querem um catavento?
querem ver em que direção o mundo sopra?

porque eu não sei se minha casa sou eu
ou a faixa de pedestres
esqueci a calçada
e ser oblíquo sob um poste

me recolhi à ironia de um casulo
num casulo de discurso teço meu veículo
meu texto recolhido a mim mesmo é
só o que sobrou de comunicação

perdi ritmo,
pois preferi o compasso
a atravessar com o tempo a cada nota
perdi minha rua
me perdi na aldeia labiríntica de reelaborar
o que não entendem

os vendedores ambulantes agora são só meu erro de digitação

sem poesia, por tautologia reduzi
mas ganhei mil dedos mais curtos de digitar prosa.

terça-feira, 15 de junho de 2010

comentários discursos
todo mundo tem muito a dizer
sobre o silêncio

domingo, 13 de junho de 2010

foi em março que aconteceu
choveu chuva de sapo
espatifada nas janelas desenganadas

até as estátuas rindo
até os bueiros coaxando
quer dizer, foi diferente
ligeiramente de outra forma

a bola saiu, José devolveu com um chute

sábado, 12 de junho de 2010

seus olhos, constelação
no infinito que encosta em mim
estrelas que tem o seu nome
mas estão longe de conter
a cor dos seus olhos por trás do sol:

um arco-íris em que mergulho

seu sorriso uma janela aberta
uma moldura do meu mundo
nossos ângulos de ver o céu
soube pelo céu
sinais no céu
uma nuvem soprou no seu ouvido, percebeu?
sem perfeição
ou lirismo etílico
com raiva suspirar
e em seus olhos perceber
o que os pássaros vêm comentando
que senti no pulso das suas
veias que não vi,
sangue rápido e nosso peito arfante
no mesmo compasso

um aceno a distância
da janela aberta de um trem
que vem chegando

se somos um elenco
um diálogo no escuro do seu quarto
o enredo do nosso ato
é o começo de um final feliz

quinta-feira, 10 de junho de 2010

máscara grega, nô, bushido, kabuki, aborígene, tribal, de darth vader
carapuça, tótem, mortuária

pra quem fala de teatro do mundo
eu escrevo do elenco dos rostos
do maquiagem do rubor, do desprezo
das falas truncadas dos gestos
erradios na minha superfície
que são os arranhões de contatos com palavras
também conta atravessar a rua pisando só nas listras brancas
da faixa de pedestre
usar meias coloridas, pela casa toda
doces japoneses e queijo e batata palha
e medo de abrirem a porta de súbito
e de te carregarem por aí
e de soprar dentes de leão em qualquer lugar
e de temer pedestres e de não temer passageiros de ônibus

achei a florzinha que você me deu
amassada, achatada pelo meu bolso

quarta-feira, 9 de junho de 2010

pra Ferdi


também conta atravessar a rua pisando só nas listras brancas
da faixa de pedestre
usar meias coloridas, pela casa toda
doces japoneses e queijo e batata palha
e medo de abrirem a porta de súbito
e de te carregarem por aí
e de soprar dentes de leão em qualquer lugar
e de temer pedestres e de não temer passageiros de ônibus

achei a florzinha que você me deu
amassada, achatada pelo meu bolso
contrarrazões de ser quem somos
desarrazoadamente razoáveis
sem motivo aparente
via de regra é ser isso aqui
de ganhar dinheiro e ter aonde
ir e fumar na área reservada para tanto
em princípio não escapar
de ser a grade que prende os outros
agrade e pense em ser
facilitador das trocas humanas
dissolvidas em medíocres planos
pontos de vista
linhas de pensamento
correntes de opinião
razoavelmente raso rastro
de não deixar pegadas ser mais cômodo

que ferir a preservação das faces
que ferir o seu final feliz
em que a merda vai pros outros
em que a merda não é você
mesmo que ela seja
mesmo que seja eu essa merda
que escreve algo feio na parede

não deixe mesmo vestígios da sua passagem por aqui
é o mínimo pra quem ao invés de flutuar
quer constituir família estável com emprego
oi, você viu que sobrou nada?
que começaram a construir um estacionamento no lugar
carros que são gaiolas aprisionados
rugidos não deixam dormir os mortos
edifícios encima de um cemitério

ferragens no lugar de pessoas
scherzo mecânico em três movimentos
substituíram as cidades de carne e osso

cada voz é um elefante
que se retira, prestes a morrer

segunda-feira, 7 de junho de 2010

minha caligrafia é uma versão feísta
da ilíada
canhotamente transcrever aquilo
em que já me esboçaram
ser um percebido personagem que esqueceram
entre as tropas de heitor

minha figura é
boneco de palitinho
antes das linhas de esboço
de um desenho

e por aí vai
com a voz ex-orquestral
com os gestos de porta-voz demitido 
com cílios que já foram cortinas
do palácio de um cônsul
com uma constelação embaçada de olhos
que já viram toda uma história
                   destinada a eles

rascunharam no meu corpo uma versão
que esqueci de preencher
quantos copos aguentar
quantos quilômetros caminhar
quantos sorrisos de mãos dadas
quantas guitarras em pedaços
quantos cigarros me pedir
quantas versões couber
quanto drama sobre ficar velho
quantas fichas de sinuca seu dinheiro dá?
quanto quer receber depende
quanto fica tudo
quantas músicas no rádio
quantos ontens atardecidos
quantas lágrimas!
quantas de alegria?
quantas de tristeza?
quanto vento represado, fecha a porta
quantos à noite nos vemos
quantos naufrágios, com mastros pra fora d'água

tanto o tempo passar é ruim
quanto é bom aprisioná-lo nos olhos
depois das horas
em que movidos os objetos sob a água
fora de perspectiva
de contornos borrados

as fotos que mergulhei num aquário
não precisam de aprovação

são uma memória flutuar
escolhida dentre todas
seleção de vultos numa caixinha
meus fantasmas seleciono.
a tarde caiu num frio
invadiu os campos com seus espectros
de cores mortas

melhor que congelado
o sol despencar em tiras como grades
aprisionando os membros que deixam
cair pelo caminho

na frente os velhos e crianças
as mulheres chorando neurastênicas
gente que a guerra fez tremer
que acham orgulho em andar maltrapilhos
pedindo

os combatentes, as baixas
os que realmente foram mutilados
na retaguarda
de carregar últimos olhares consigo

um exército perdido em manobras de recuar
é o declive daquela colina
os presságios escondidos em nuvens
o labirinto de trincheiras mal-traçadas

marcham a um país que pertence
a memórias cujas ruínas
não são o mapa do que perderam

um sol e uma lua
bosques que espreitam
cidades da terra arrasada
suspiram por baixo de um lençol de neve
que não desvendem os pulsos

marcham eles, que mutilados de gestos
e de língua,
perderam quaisquer línguas de sinais
e sinais na pele indicam uma direção
de volta ao campo de batalha

e correm
e esperneiam
e berros mais altos que bombas

a marcha dos que perderam alguma
coisa se arrasta serpenteando
a estrada suja

pisando merda, comendo merda
entre os corpos que tiveram
a sorte de não sobreviver

terça-feira, 1 de junho de 2010

pra Ferdi porque inspiração é 




Como "um estou nas suas mãos pra decidir, a minha vontade é a mesma do começo". 
Porque amo mostrar que amo. 


As lágrimas já aprenderam o percurso trêmulo do rosto 
o silêncio são as perguntas mais profundas sobre o mesmo tema
porque amo por que mostrar que amo
e se ninguém acreditar ou quiser saber
eu for uma palavra na areia da praia que você prometeu
contra o vento você quem sabe porque a partir do momento em que eu sei
ponho tudo à sua vontade as lágrimas como facas
já aprenderam a me sulcar a escrever versos na areia que sou
versos demonstram nada e eu devo ser mentira a essa altura
disfarçando a letra pra ninguém perceber
que eu não sei escrever sem ser na sua caligrafia