domingo, 27 de junho de 2010

aquele mendigo me disse que é,
e ele não mente,
a hera que se infiltra nas rachaduras do concreto
como se a fome disseminasse a fome 
por trás das moedas esparsamente jogadas na caixa do instrumento
como se os acordes desse saxofone reverberassem
nas infiltrações da cidade e das pessoas
lágrimas feitas de notas musicais
estátuas que extravasam sangues pelos olhos


um apóstolo de pedra-sabão comovida
o desdém eqüestre de um marechal de mármore espada em riste
os berros de desbravadores comemorados em praças em honra a


o mendigo é uma planta que infecta
a calçada com os feixes de notas 
que arremessa 
braços vegetais abraçam a cidade em ruínas


aquele prédio chorando
aquele automóvel delira
assim que fome deformante daquele bebê ecoasse 
nas vontades dos rostos dissonantes
a música dele perpassaria transpassaria pervadiria


onisciente sax onisciente céu observa


agora imaginem se na porta da loja
famosa
se postasse um mendigo assim
que derrubasse máscaras
e atraísse os pássaros
só com soprar num pedaço de metal


uma música o mendigo oferece
uma fome o mendigo suplica

2 comentários:

Ferdi disse...

Ninguém gosta de se expor. Ou seria.. de ser?

Pedro Couto disse...

Oras, belíssimo poema.