Hesitou em pedir-lhe um cigarro. Lembrou-se de Teleco, o coelhinho. Não pediu. Achou melhor comprar. Ela disse que por qualquer moeda lhe daria um cigarro. Deixou intacto o fato de dá-lo ou não de graça. A conhecia de há pouco. Não queria precipitar essas coisas. Buscou o isqueiro na mochila. Com o cigarro na boca viu aquela que o aturdia entrar no banheiro. Devolveu o cigarro. Pediu-lhe que o guardasse por enquanto. Buscava evitar que o visse fumando. Falaria com ela que parecia haver desaparecido no banheiro. Atam por enquanto uma conversa sobre literatura inglesa. Ela lhe diz que ou fume o cigarro ou guarde o isqueiro. Aquilo dá a ela muita vontade de fumar. A deixa ansiosa. Ainda espera. A que o aturde não sai. A conversa se desenrola sobre um assunto batido sobre Henry Miller. Ela coloca o cigarro dele virado ao contrário no maço para distinguí-lo depois. Vai mandar por e-mail um excerto que chegara a decorar certa vez. Diz que mande. Que terá prazer em lê-lo. Não se sabe porque nesse momento não lhe dá o endereço do e-mail. Tenta matar o tempo desfiando amenidades literárias. Nada muito profundo. Gosta de debater estas questões. Se distrai e não a vê sair do banheiro. Quando se dá conta ela já está longe. Se afastando mais. Corre. Procura um assunto. Tem como me mandar um e-mail com as provas antigas. Você é um folgado. Não anota o e-mail dos monitores e depois eu tenho que perder meu tempo conversando com você. Não capta o tom. Dias depois se arrependeria de não ter respondido. Conversar comigo nunca é perda de tempo. Eu mando. Vai demorar um pouco. Eu tenho que verificar com as meninas se nós juntas temos todas as provas. Tudo bem. Vou anotar meu e-mail num pedaço de papel. Você me manda. Revira mais uma vez a mochila. Não tem nenhum papel aqui. Minha bolsa está numa sala aqui por perto. Eu poderia ir lá e pegar minha agenda. Não vou. Você já está mexendo na sua mochila mesmo. Achei. Não perca esse papel. Ele é precioso. Como eu iria perder um papel deste tamanho. Não esquece de me mandar. Tá bom. Tchau. Tchau. Lhe diz que seu isqueiro não está funcionando. Ela diz que use o seu. Falam agora de Ferlinghetti. Lhe dizem que saia. Não fume lá dentro. Ainda aturdido. Revolve tudo o que pôde dizer. E a vida prossegue de forma mais tortuosa que antes. Percebe que não entendeu nada. Que tem pouco a fazer nessas situações. Que ficar rememorando não ajuda.
Uma exposição – Thomas Farkas no IMS. Um disco – Lives Outgrown, Beth
Gibbons. Um livro de poemas – Blue Dream, Sabrinna Alento Mourão (Círculo
de Poemas, ...
2 comentários:
Entendi o texto depois de reconstituir tudo que aconteceu e me foi interessante fazê-lo lendo o ponto de vista exatamente oposto. As falas me surpreenderam, vejo que tem tratado seu Alzheimer. =)
Oi, Hugo. Bem legal você ter me colocado no conto, o jeito que você relatou compôs muito bem.
Vou tentar meditação e palavras-cruzadas daqui em diante para ter uma memória tão detalhada quanto a sua.
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