quinta-feira, 4 de março de 2010

pobre bloco de carne, pensei: só tem a repetição
João Gilberto Noll

sentei 
a borda da janela não reclamou/ainda não tenho peso
me equilibrei sem usar as mãos
lembrei do começo de guerra e paz
petya rostov: uma garrafa de vodca o parapeito de uma janela
cem rublos
será que quase tudo antes dos trinta vale cem rublos?

ao que parece a palavra russa que designa guerra
também designa comunidade e mundo
será que tolstoi opôs mesmo?
como bom eremita starietz/zosima
paz e comunidade.
paz e mundo.
paz e pessoas juntas.

sentei 
à borda da janela
como um vietnamita que largou as plantações
o arroz em platôs 
para ir trabalhar na cidade e sente falta
de sentar à janela de sua própria calma
cabana ao relento
a palha e o tabaco entre os dedos
olhar o céu roxo se afastando
fugindo e sugerindo
que façamos também antes do gás dos aviões
hanoi não é tão longe

as pegadas das nuvens
o cadáver de deus
à borda de uma janela
mil braços
estala os dedos
acende um cigarro dando forma 
aos pássaros da minha tristeza
com fumaça

perdi a linha
ignoro meu começo intermitente

se o dia acabar de pôr o sol

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