sobre ficar velho sob o céu de brasília tenho pouco a dizer
não sei se fui feliz
se aquela mulher atravessando a faixa da comercial foi minha
se esse cara vendendo melancias olhando o céu já deu nomes a nuvens
se apaguei meu cigarro no parapeito da rodoviária
enquanto voltava andando na madrugada
se esse sorriso é só dissimular não ver os carros de vidro fechado
se aquela parede merece um verso meu
ou se este verso merece ser a parede em que me escrevo
se morar num jardim no meio do concreto é ouvir o vento sussurrar nas frestas
"essa cidade é o céu de pernas abertas"
se esse mendigo é pioneiro, nordestino, navegante ou astronauta
aterrissado plantado como os prédios burocráticos:
entre as árvores se contorcendo pra tocar as nuvens e o chão rachado
se foi adeus ou saudação fascista o braço estendido de juscelino
abençoando a capital do alto
e os olhos esquecidos da multidão vendo tudo nas rachaduras nas fachadas
dos edifícios e dos rostos
se tentar não lembrar do barulho dos carros no eixo desde a minha janela
é melhor ou não que descer e sentar no pilotis
se é tudo ou nada em frente ao trânsito
se gosto mais da setecentos e seis sul ou da duzentos e seis norte
não sei, só sei que ainda nada sei, exceto uma coisa
só sei que andar na sua boca aberta me arranhando em seus dentes afiados
me faz descobrir o branco pousado sob o azul
que no ângulo de cada curva estou eu e o suor do poema a céu aberto
e vice-versa
em mim o ângulo à luz de imensidão
Uma exposição – Mira Schendel no Tomie Ohtake. Um livro de poesia –
Acrobata, Alice Sant’Anna (Companhia das Letras, 82 págs.). Um depoimento –
Ed Motta no...
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