segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Pillars of salt

'aquelle qui voit des papillons

Hoje tudo está numa freqüência diferente
Da das coisas de sempre
Não sou eu se as borboletas
Sintonizam meio truncado
Um zumbido que era pra ser silêncio
Pelo menos na poesia
A princípio aprisionado entre rochas
Encará-las de ouvidos abertos
fez com que
Bem fraco começasse
Sinal imperceptível ondulante
que, tremeluzindo concreto
afora, vai em
crescendo ad infinitum
e quando tão alto
que deixam de prestar atenção
volta - Impalatável, embora não insípido -
ao pó de ser silêncio de novo

Acidente permanente

Queria saber fazer sem querer
Para que não jogassem em mim
A culpa

Sem premeditar predenter
alcançar
Para que me jogasse a um vórtice
De tudo o que ainda escreverei
o que é diametralmente oposto
A tudo que senti

O vórtice é um cúmulo
Um ponto a que tudo conflui
Por inércia
E assim é O tudo
Que seria nada não fossem
Os encontros pregressos que levaram ali
Desavisados soubemos  disso
Mas ignoramos de propósito,
Para seguir vivendo

domingo, 29 de novembro de 2009

Idade das pedras

Chutei uma pedra e ela acertou alguém
Eu caminhava distraído olhando o céu
ela distraía-se bufando ao telefone
Pássaros gorjeiam como lá
Sol queima as pontas pálidas de seu corpo
O arranhão foi um pouco feio
E nenhum dos dois parou para nada
Ela melindrosa não quis saber
Quase dessangrada
Andando mesmo sem encarar
Jogou-me impropérios e deu as costas
Ao que fiz nada para reter
Tampouco fiz algo para afastar
E a vida seguiu com as mesmas perturbações
Para ambos
Como depois de ver aqueles malabaristas lidarem
Com chamas nos semáforos por aí afora
É e foi realmente incrível
Mas qual é a diferença que trouxe
No final para mim que sou apenas um curioso
E não um entendido destes assuntos?
Dois universos se encontram de raspão
Me pergunto o quanto um pode realmente
Afetar o outro; assim, não premeditadamente.

Cadernos mofados

Há nada que eu possa dizer
Que não previsto vigore já em
Algum lugar

De olhos bem abertos aguardo
Um momento
Para entrar nos lugares que me são vedados
E se esse momento não vier

Bom, pelo menos eu aguardei de olhos bem
Abertos

Estou esperando ela vir
Quem sabe se mais feliz
Não não, com certeza mais feliz

Será que chega tendo
sentido saudade de mim?
Eu, que senti muitas dela,
Acho difícil
Seria bom, embora improvável

Quero que ela venha de uma vez
Sabê-la longe
É ainda pior que sabê-la por aqui
E não vê-la

Caymán ciego




 [...] estos hallazgos me sobresaltaban, me alteraban 
hasta el punto en el que yo dejaba 
de parecerme a mí mismo.
El policía de las ratas - Roberto Bolaño

Runriverrun um rio em ondas capotando
Me absorve e me aprisiona
Em câmaras e túneis
Dos quais se consigo escapar é para cair em outros

Minha função era limpá-lo
Ver que canais obstruídos
E que canais alimentados por outros restos
Que não os permitidos
Nos regulamentos

Tal o homem qual a profissão
E continuaria acreditando se não fosse
O vazamento de coisas
Para dentro dele
De coisas guardadas em algum lugar
que agora extravazam

Deixando imprestável meu local de trabalho
É inviável que este meu rioconsciência
Volte já a ser o que foi
Depois do que foi
A muita sujeira e experiências
submetido não volta mais

Just one more hurricanedrivenflood casualty
To lay aside

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Capsules wouldn't come that close

Bear in mind that dogs might come out
of the ground
Bespectacled
Arguably green and thirsty
Might come out at night
With no one knowing
And everyone watchingexpecting
while the ashes burn once more
For the lures of the muzzle are
Squirming to crawl back to them
And the moonlight bestows
The worms from its womb
with indulgence
Forgiving those who needed once
Her help and have thus reached for
The sky
Asking her to come closer to
Adjust the tides once more
Reap some crops after all
Watery shine
Shiny water
Sinking in my tongue
Gushing from my lips
Shine on, you gravy diamond
Spit by the prayers unveiled
Gargoyles who watch from the distance
of a stone in the moon
a mount which, by herself out there,
Has seen no climbing
And no trees and no roads
A mount out of gas out of air cigarrettes and money
Forsaken in the sidewalks for an infinite amount of time
Pushed around half drunk half loaded
half kangaroo
A mount thrice larger than everest and
twice larger than the moon itself
Some random disaster in the sun
Burnt a shade in some random fields
Of some random liver and kidney

The craters I have for eyes
That have skin as a crater of matter
Have deceived me

In the purple uncultivated side of these hills
they will
promenade, You know
Even though they shouldn't

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Calle Montera

Mosquitos me devoram enquanto espero
Parado encostado na parede
Cigarro fumegante entre dedos
Ônibus fático e moto fálica mudos
Falante só o vendedor que me aborda
Quase sempre de olhos baixos
embora grite yakisoba relógio flor
O poste já apagou
As nuvens me descobrem sob a marquise
Cobrindo a lua estofando o ar
Com espumas incandescentes
Carregando pilhas de papelão
Na carroça passam sem dizer nada
E vão
Enquanto esperam por mim (será?)
devoro mosquitos sob minha pele

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Tu sais, le monde est bien plus grand que ma poche

Todos os rostos eram repulsivos
Franz Kafka


O meu mais porque respirarei
Esta atmosfera branca
De teto branco alto insensível mas pulsante
Como o deserto que esconde algo dentro
E todo este ar que me empurram é
conseqüência do que andei negando
Em cada esquina que preguei
Que é o rascunho da imagem que tinham
De mim até então

Ouço passos aqui e ali que não interessam
na sombra não interessam

Deitado espreitando já sei que não vem
A uma estação longe a que se entortaram
todos os trilhos que incomunicáveis
lágrimas de aço derramam sobre o rosto
Inerte semi-ignorante que reinvindico
Já sei que não vem e já o sabia
Quando me disseram que vinha e que eu
Podia esperar por aqui mesmo
Tomar uma cadeira e pedir um café

Ouço passos aqui e ali que persigo
Olhando nos olhos mas persigo

Os vultos me dizem nada batem em meu ombro
Mas sei que não são o que espero
Chegam a gritar para chamar atenção
É mais fácil ignorar finjo limpar os óculos
Suspiram locomotivas como notas musicais
Expelidas de si piano-de-cauda
Atrozes fora de ordem que me servem
Certa melodia que identifico aos poucos e de longe
Mas que também ignoro

Ouço passos aqui ali que enfrento
Com os quais sem saber quando e onde duelo

Todos os rostos foram repulsivos até o momento
Em que entro e me deparo com um
único que antes de repulsa me dá
A sensação de espelho ao contrário
De que não sou imagem mas sim
Contra-imagem não complementar
Compatível mas reflexo dissonante que discorda
Do que traduz e rebate esta alta atmosfera a que nos obrigam
A mim mais porque respirarei

Passos ecoam à minha presença
Bastante indiferentes, é verdade

Desejo todos os rostos que passam rápido
nestas janelinhas em princípio no papel pelo menos
se não puder ser presencialmente para conversar
Com suas vicissitudes e verrugas e perfeições
Esparsas às quais eu serviria
Um café
Mas não não as tenho aqui nem no papel
Distantes saíram correndo e bufando da proposta
Que lhes faço e que me fizeram um dia

Pessoas ecoam ao meu redor
Que não atinjo e que atiram em mim

Farpas e arranhões e sorrisos subcutâneos
Que nunca esperava e que agora afloram

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Um leopardo atravessou meu caminho, o grunhido quando o abati se transformou em pássaros canoros

Hoje fui pouco inspirado
Preferi ficar rabiscando por aí
Em alguns cadernos velhos
Ao invés de me dar ao trabalho que
Me cansa e me define

Tudo é tão vasto e inabrangido:
O que sinto que quero escrever
Para um fim qualquer que não me
ocorre agora
Simplesmente foge acabrunhado
Orelhas baixas e ganidos a um canto da boca
medroso da tristeza em mim inapagada
Pelo algo a que almejava e alcancei

Colhi um verso frágil-
E não por isso menos aguerrido-
Do seu cabelo e da nossa conversa
Que sempre diz muito
Pena que o achei abatido,
mas ele não quis saber

Muito fechado, evita comunicação
É melhor deixá-lo isolado no fim
do poema qualquer

Quis o que houve querido por fim conseguido
Com menos sentido repenso o que não perdido
Refez um caminho há muito esquecido

domingo, 22 de novembro de 2009

Légion des étrangers

Para Bubu, o maior ouvido da terra.

Meu castelo é uma miragem de um deserto a que almejo
O que me importam torres e fossos e masmorras e
pontes levadiças e cortesãs e bobos
Se a planície mais vasta me falta
Se as montanhas negras que se movem
tremeluzindo ao longe
Levam no lombo um tesouro que já é
Irrecuperável porque não cabe nas tendas
Ou no alforje que levamos
Se os poços que cavamos estão açoreados
Pelas ganâncias de inimigos invisíveis como
Dunas e subreptícios como o que não se
Desenterra se não à sombra
Quero margens alagadiças de volta
aos oásis rendados de verde
das palmeiras no centro
do centro de nada

O vento arrastou para longe o que construí
O que possessivo protegi
Me impuseram a troca à força
E pelas portas que consegui
novas reluzentes abertas
Paguei com um passado irrevogável apagado
Soterrado sob areia nula
Ubíqua destes páramos desolados

Mientras yago

Algo em mim dói e é pouco convencional
Mais que uma dor de cabeça
Mais que minha garganta arranhada
Mais que qualquer dor física
Ali perene espreitando a hora da ausência
E não é saudade dessas assim de sempre
É outra coisa. algo que me faz querer
a estrada sabendo que esta não ajuda
por ser infinita demais para meus objetivos
que não sei quais são
me faz querer desaparecer, melhor:
fazer outros desaparecer
Um tipo de resignação em querer mudar
o que já está consumado
E que me deixa perplexo por não saber
Se ela se afasta mesmo ou é paranóia
Aguardo sem ter muito o que fazer
Para além de ficar de olhos baixos
Remoendo calado erros presumidos

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Sétimo Selo

Jogando xadrez com mãos trementes
O cérebro tremeluzindo se atendo a um resquício
E um tremendo peão obstrui o caminho
Frente a frente -e não lado a lado, repito-
Encarando pouco e marcando o tempo
De cada jogada
Nenhum jogador é muito bom ali porque
tem bem pouco planejado
Quer-se bem poucas vitórias e por isso segue lenta
A partida, seja lá qual é o rumo que toma

Hung Up

No sé mirar por la ventana y decir
Si quiero irme quedarme o esparcirme por todos los sítios
Como un polvo que cruza el aire
Invadiendo la vida de otros mientras apaga la suya
Y dicer si me gusta lo que habrá
Pues no sé qué habrá
Espero mucho que luego no se cumple
Porque tampoco hay un plan para todo
Solo el plan de caer y volver a lo que no tuve
Como si le diese la luz por otro lado
Que no sé cual es pero que aprecio ahora

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Who knows (there's always someone somewhere)

tremendo de frio calor e café pelos poros depois do golpe que levei com fome me pergunto aonde ir o que fazer agora que sei que sou errado e que motivos tortos me incitam bandeiras em lugares distante me obrigam a pensar em desistir em correr porque nada posso e tudo quero e tudo vejo e nada escrevo e nada fiz enquanto corro de mim mesmo e do que fiz penso ser melhor não saber a hora de parar quando não sei como começou e fujo de saber como vai começar a música alta servida de graça com o álcool não me faz esquecer e conversar com as pessoas não me fez esquecer e foi pior pois me fez lembrar de não repetir o que fiz por mais entalado que já esteja nisso tudo com medo de me mover e te prejudicar medo de querer levar adiante o que quero e chocar o melindre de uma susceptibilidade e te fazer fazer o que não tens certeza de querer fazer e o perigo de contusões se alastra ameaçando a mim e a todos pela inconseqüência dos meus atos em não pensar em fazer e sim pensar em querer antes de tudo sem saber de outro mas pensando sempre em você e depois em nós nessa ordem os pensamentos se sucedem na noite clara vazia falhei e gosto disso minha dor vem de não saber o que fazer qual é o próximo passo rumo a um tipo de espontaneidade que já não me julgo em condições de atingir arruinei algo que não era importante ou só serei capaz de compreender a magnitude do erro mais tarde te queria capaz de entender que é tudo delicado por aqui e que pouco parece o que é realmente e se fiz ago acertado me pergunto o que foi porque se estou como estou é porque há algo de errado em mim e algo de certo nas coisas que falho em completar

Desarrazoado

Acontece que não sei mais amar
Cartola

Samba triste que eu nunca fiz
Baden Powell
No balcão deste bar
Quis escrever um samba que não saiu
Ele sequer está cá dentro
Só não saiu mesmo
Sem rimas e sem repetir partes alternando
Um samba quase meio torto
Sobre o tema de sempre
O tema dos meus cigarros e
Da conversa
evento habitual nestas paragens
O tema das ilusões
Que descrevem nada
Nem mesmo o inalcançável
Das paisagens que trazes
Da fumaça que trago
Das derrotas que trato nenhum apaga
Da cerveja que desce menos amarga
Hoje que em outros dias escancarando
Ao som de pancadas neste balcão
O vazio de onde vem outro amargor
Mais doído e melodioso
Das ruas mais vazias dos pássaros censurados
das cigarras no cio enterrando garras nos meus tímpanos
Dos olhos injetados deste garçom que serve
Sabendo que todos sentem o que
Acredito ser muito mais exclusivamente meu agora, mas que nunca
Foi ao menos nosso
E saio tomando a calçada de assalto
Vago, gastando sapato e tristeza
Cansado de música instrumental
E cansado de palavras, das minhas
Apoiado em fazedoras do trottoir
E em pedestres-pedintes
(será que eles entendem o que digo?)
Por que
Me levas, portanto, a
Um impasse numa encruzilhada e me perguntas
Toca pra onde?
Estático olho o fundo dos olhos deles antes de mandá-los
Ao inferno, as perguntas falharam
Ao apagar dos postes
E ao acender dos apitos do vigia
Respostas foram menos bem-sucedidas
E se saíram pior porque se fizeram
Mais urgentes atropelando precipitando
O que aconteceria mais naturalmente de outra forma
E se espero que
O trôpego de sempre me pare pedindo fumo
Para ele não há mágoa represada
É tudo simples ali com a franqueza prometida um dia
Me deixar abater (melhor?) ao fim do dia
como as folhas de aço
Que fecham as portas do samba
Que eu quis fazer, mas nem isso consegui
Nesse dia que quer saber de mim e me depara
Com o que não quero ver
Sem medo e sem vergonha uma pena me invade
Pelo que fiz e não me arrependo
Mas deixa um rastro sangrento
Deixei de receber notícias deste mundo que me completa
Quando me afasto a pé pensando
Se não fora melhor não me enfiar por estes caminhos
Como se houvesse volta
Deste samba que me largou aqui

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Ontem me pararam na rua
Horda de evangélicos a serviço sabe-se lá de quem
O seu destino é seu ou deus o controla
Uma velhinha crente que podia me dar aula de existencialismo
Se deus é onisciente não há livre-arbítrio
Ensina meu amigo
Agnóstico de todas as horas
Cansado de doutrinas
E palavras soltas para efeitos desejados
A palavra se basta e vale por si
Foi o que eu disse firme para aqueles desocupados
Maledicentes do que posso

Há um poema em cada gota de sangue que derramo

Fria seca que me arranha quando me aproximo
A luz goteja dos poros da presença e tomba
Verde
a meus pés
Corrompi o verso e entortei
A rima
Quando me deixam passar retribuo
com um sorriso amarelo e saboroso
Para mim pelo menos
Unhas que me arranhavam por dentro desistiram
Há muito interromperam a marcha
Vermelhas esbravejaram transpirando
transbordo de felicidade
E interromperam a marcha
lúgubre cinzenta com trombetas ao fundo
Todos o relinchos ressoam e
Com bramidos afugentam o que restou de mim
Estátua corcunda de por aí tombada
Manequim vencido
No qual moldo mais nada
E que com olhos tristes me fita e consome
Gosto da língua do sonho de si
Cujo gosto consumo por inteiro almejado
Gosto das pálpebras cobertas por uma camada espessa
de cobertura negra ao redor
O rosto radiante porque claro e frio
Quase distante demais, mas mais que a lua
Porque a esta toco sempre e àquele afago nunca
As mãos longas perifrásticas do corpo
Da palavra quando não escrita
E quando escrita, para mim
ou não, exulto
Ou não, reajo enfim
Quero tudo o que não tenho como as mãos que não são minhas
E o sorriso a que almejo
Aquele que transborda recusa em cada ato
Premente de aceitação como os cavalos loucos
de nietzche são que
Corre(m) sem saber porquê
Mal-traduzir o que há dentro é versejar
Porque não-traduzi-lo é versificar
E uma anti-ode qualquer destas esquinas soltas e inexistentes
Vale mais que a epopéia sonhada
Dos meus dias aflorando mal-traduzidos,
Más traduções, mas traduzidos
Assim de estalo quando vejo-lhe os dentes
Ou a boca semi-cerrada contraída quase contra-feita
Ao redor dos quais orbito
em não-rota de colisão e sem perda,
com ganho na verdade, de energia
E de vontade escritora
Não sei se agradeço, pois isso me constrange,
Ou se saio correndo sem olhar para trás

Ao invés do inverso do verso no inverno protesto

Acordei do que era feito no que será ainda
Aquele cigarro e aquela calçada me dizem isso
Quando chamam minha atenção
Pedindo para que eu escreva sobre eles
Acordei do que era feito como alguém que mergulha
Ao contrário, da água pulando na terra
Na que será ainda construída encima da carcaça
Das antigas
Aquela nuvem e o mofo nos livros me disseram
Isso uma vez e agora me dizem
Que tenho pouco a perder e menos ainda a ganhar
Hoje pois caí no que será ainda
Embora nem os ventos do que escrevo nem
Minha jaqueta caindo aos pedaços
Nem meu isqueiro moribundo agonizante
Possam me dizer que eu posso recuperar algo por aqui
E só porque eu perdi nada ainda

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Quilômetros à frente

Quando ele disse pra ela o amor é iconoclasta
Ela riu
Quando ele disse pra ela é assim o que sinto
Ela sorriu retorquiu
Você não sabe o que diz
Sei
Desde aquele olhar e desde aquele sorriso...
Ela corta a frase ao meio
E posso ver que você varia bem pouco os temas também
Teve por resposta a calma (enternecida?) frase
Ambos são a metonímia do que me move
E por conseguinte do que escrevo
Você pensa o mundo só em termos de figuras de linguagem
Metáfora no caso
Ou seria catacrese?
E você só pensa o mundo em termos de egolatria
É claro por que será que você ainda está por aqui?
Incrível isso mas sabia que os strokes nem sempre estavam certos?
Ao ver a tristeza (fingida?) dele ela complementa
Deu pra ver que eu não falei sério né?
Ironia não é bem o seu melhor
Sorri zombeteiro
Mais uma figura e eu vou embora
E o tal verso do tal poeta famoso na minha mão
Vai ficar inacabado
E o que eu tive a te dizer foi sério um dia
Até que dia?
Até você por tudo a perder com tentativas de evasão e dispersão
Não é o amor que é iconoclasta é o jeito
Como o levamos a cabo
Incredulidade o pasma
Triunfo a eletrocuta
Levamos? Você usou mesmo a primeira do plural
Ou foi silepse de número?
Ela sorriu calada a isso
Mas com barulhos de riso
O que sempre confunde bastante os dois

domingo, 15 de novembro de 2009

Há três horas ouviam Glenn Miller e repetiam pensamentos.

Mas o amor não compreende esses cálculos e esses raciocínios próprios da fraqueza humana
Cinco Minutos - José de Alencar


To die by your side is such a heavenly way to die
There's a light that never goes out - The Smiths

Ela frustrada com o que não conseguiram; ele ansioso, com medo de não conseguir repetir o que passaram e que valera a pena. Sentados num banco meio arruinado qualquer em algum lugar inominado porque desimportante discutem. Um prédio verde abacate ao fundo e cachoeiras tímidas de folhas e outros detritos vegetais. Não há perguntas de culpas e responsabilidades e os esforços são esparsos, falham em descrever direito o que têm. Os dois já estavam ligeiramente bêbados porque levavam ali uma tarde e um começo de noite. Nada já era o mesmo, ele mudara e ela continuara bem pouco como era. Apoiados no banco (da direita para a esquerda): chaves de casa, do carro, maço de cigarros e isqueiro, bolsa, papéis amarfanhados manchados de algo indefinível. E se afeição pode vir, e neste caso viera, assimétrica, a padronização imposta pela rotina roubara isso. Quando ela lançou o conteúdo do cálice de vinho ao rosto dele despertaram.
- Tudo que você fala tem cheiro de dissertação, não dá pra ser menos racional uma vez na vida?
Ele tira um lenço do bolso e tenta limpar a camisa antes impecavelmente posta para dentro da calça. Seca também os óculos e parte do rosto.
- E agora de onde veio isso, foi gratuito?
- O que mais me irrita em você é o que me agradava antes
- Antes quando?
- Na primeira vez que te vi naquele bar, você me chamou atenção porque era o único que prestava atenção a nada a não ser ao seu chope. Não estava ali por mulheres ou por fumaça ou por jogo
Na primeira vez que a vira naquele bar, quando ela sentara a seu lado usando a justificativa ancestral mais óbvia para se aproximar: pedir fogo, a convidara para dançar. Ele que não dançava, tinha topado ali aos poucos com uma cumplicidade que tinha certeza que romperia as amarras que o contigenciavam, que moldavam quem ele era, por isso dançara. E por isso, uma troca, ainda morna, mas já prevendo mais intensidade, de olhares, que não se cruzaram diretamente, a princípio, mas que depois permeou toda a noite, deu frutos.
Os rugidos das cigarras fazem com que ele entenda pouco do que ela está dizendo
- E como isso te permite jogar vinho na minha cara?
- Tudo em você me exaspera hoje
Culpar a quem se ela exasperava até a ela mesma hoje em dia? Não era lá tão difícil projetar frustrações num relacionamento dito disfuncional, quando na verdade restavam pouquíssimas coisas que a agradavam e ele não sabia se ainda era uma delas.
- Isso não te desculpa
- Não quero que me desculpe
- E quer o quê?
- E você quer o quê arrastando essa nossa relação como se ela já fosse moribunda? O problema é que a sua camisa é de um bege neutro demais, isso me irrita; demonstra sua compulsão por racionalizar tudo sem nunca chegar ao extremo de nada. É difícil acordar do seu lado e não pensar nas muitas manias a que você se submete para começar o dia
Um grupo adolescente passa com garrafas de dois litros de refrigerante e dá risadas do boné de um, ou do tênis. Comentam sobre as garotas que devem vir. Sobre a vodca que compraram. Sobre como a melhor tática com qualquer garota é sempre fazê-la beber mais que o homem. Um deles apanha uma cigarra em pleno ar e acha que arrancar-lhe asas vai fazê-la conter os bramidos. Todos riem dos contorcionismos do inseto menos um deles. Este sai sob as gargalhadas dos companheiros que prontamente o rotularam viadinho.
Ajeita os óculos ao lembrar que nunca mais vira um sorriso daqueles amplos que ela costumava empregar às vezes em situações especiais e o que era ainda mais especial, em situações corriqueiras.
- Você me conheceu assim e quer que eu mude?
- Não, só quero que você se arrisque mais, goste mais e odeie mais as coisas. Comprei um presente que espero que você goste. Mais ousado, a princípio pode destoar um pouco de você, mas quando se acostumar vai ficar lindo.
- O que é?
- Tenta adivinhar
- Me diz logo!
- Vai ficar sem saber então
- Tudo bem
Em um apartamento próximo, talvez naquele com grades cercando um terço do pilotis, começa a tocar Cartola. A música mais clichê na opinião dela, a mais bonita na opinião dele soa muito alta vinda de um apartamento. As rosas não falam.
- Como pelo visto você não vai mudar mesmo, eu vou tomar um café ali na entrequadra e depois a gente conversa mais
-Você está errada em achar que sou eu que devo mudar se na verdade os erros aqui são todos seus
- Que merda, é claro que não. Por que seriam?
- Todas as presunções feitas aqui se fundam numa premissa errada
- Fala direito, meu deus do céu
- Você vem acreditando que nenhum de nós mudou ao longo destes tempos e que o que te atraiu em mim agora não te agrada. A verdade é que os dois mudamos. Aprendemos muito sim um com o outro, mas não negue que algo aqui nos sufoca e eu diria que é a imobilidade, não das minhas manias, mas dos hábitos que consolidamos e chamamos de rotina. Não há lá muita saída a partir porque já construímos uma vida juntos, concorda?
- Não
- ...
- Você que não está se adaptando à situação e quer fugir alegando estar tolhido pela rotina
- Não quero fugir de nada, estou dizendo que não há muito a ser feito e a isto me resigno
- Espera um minuto aqui, vou no carro rapidinho
E passa cinco cigarros contemplando a semi-praça deserta, o poste intermitente, o transeunte apressado, preocupado com o avançado da hora, o campinho de areia para se jogar futebol transformado subrepticiamente em mato e as pessoas tremeluzindo à luz das janelas.
- Era presente de Natal, mas eu preciso que você se disponha agora a mudar, então adianto o presente
Uma caixa de papelão cor de vinho com filigranas douradas que ele pensa ser de charutos - leve demais para sê-lo - que quando aberta exala um perfume represado há muito tempo. Cheiro de flor amarga porque agradável, afável porque lilás. O interior branco do papelão contrasta com as listras escuras dos suspensórios.
- E aí? Gostou?
- Gostei muito, vai ser muito útil para segurar minhas calças
- Ironia não me apraz
- Eu sei
- E ainda assim continua fazendo
- Prometo que não fui irônico e que gostei do presente
- Que bom, então
- Gostei platonicamente, não sou pessoa de usar suspensórios
- Isso mesmo, quero fazer uma revolução com você
- Por que quer tanto me mudar? Pensa antes em me e nos entender
- Desisto
Expressão de ignorância no rosto dele e de raiva súbita no rosto dela.
- Agora vou mesmo comprar café ali na entrequadra, me espera aqui. Quer alguma coisa?
- Quero nada, não
Ela frustrada aderna para sul, rumo à satisfação de um vício que não era mais ele; ele intrigado com as motivações para o presente de que não gostara aderna para leste, para tomar um apartamento inédito e se livrar do que o prende agora. Cada um egoísta no seu modo de lidar com outro, cuja afeição não se esvaíra por completo, mas que a erosão da convivência tornara quase insuportável compartilhar.

sábado, 14 de novembro de 2009

Não sei

Um caderninho de poesia para escrever o evangelho em
Pôr o rascunho do mundo e
Das farpas inteiriças em mim,
porque nenhuma doutrina sangrenta
Foi capaz de fazê-lo como o que escrevo é capaz

Todos os rascunhos são um só
E se inéditos contribuem

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Maçãs carameladas

Caí de pelo menos vinte metros de altura e ainda não aterrissei. A culpa é de quem deixou a porta aberta sem aviso e remorsos; uma geleira não se aproxima porque está parada desenhando a linha do horizonte com a boca aberta esperando -e como não entregou antes se o prazo estava fixado há três semanas?- A velocidade está estável e embora bem rápido, consigo ver cada janela e dentro, A secretária mordendo o lápis, A pizza fria com queijo endurecido, Os suspensórios que registro mal porque o dono está de costas, O tapa e o beijo, O cigarro cuja bituca me atinge o olho, A barba por fazer sendo feita e farpas de gelo se incrustam na minha pele mal-iluminada seca em perene queda - e por que não entregou antes se o prazo estivera fixado até então?- E começo a ter fome porque será que um comedor compulsivo continua comendo se não há perspectiva de satisfação? A fome é perpétua como o sono, pois a não previsão de saciar leva ao consumo reiterado de ambos. Já vi essa secretária, mas agora ela está de suspensórios comendo a pizza, mão me admira ser tão gorda e seu olhar lascivo me assustar e me fazer querer acabar com tudo, não entreguei e caí, o que é o que tenho por enquanto.

O porquê das justificativas presumidas

Alguma coisa mudou e não foram as cercas
Que se deterioraram
Nem os pássaros que se apropriaram do abandono
Do que fui
Tolo seria imaginar que a esta revoada pernóstica
Condescendente retinindo em ecos de mim
Juntou-se uma assembléia de objetos-testemunha
(sobrancelhas franzidas
escovas de dente
papéis amarelados por exposição prolongada a lirismo
sarcasmos de toda safra
abraços
ingressos e notas fiscais
sorriso eventual &
cigarro corriqueiro)
Para assistir ruína e renascimento
Ereção dos disjuntores do que sou
Sem substituir sem cair ou levantar a chave-geral
Evito fricção entre o então e o agora porque
Já sabendo que existe um atrito entre eles que vem
Vai sem mais e faz o retorno
Entre placas de sinalização em algum lugar que desconheço ainda
Prefiro iludir a estática aceitando o que os dois
Me oferecerem

Evito querer recair na tentação de pensar
Nas cordas, finas como fios, que me atam a tudo
Um tipo de panteísmo ateu me diz para negá-las
E mesmo
Saber que estão ali indiscerníveis é não poder me desvencilhar
É um tipo de armadilha a que qualquer um
Está sujeito, isto de ligações
Perenes ou não, indissolúveis
Amarram o que fui e o que sou
Num todo pouco conciso nada uno
Ao que quero e ao que posso e serei em breve

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Saudação a gladiadores

Escrevo em pé esta poesia concebida olhando em teus olhos
Olhando meio de lado, um pouco inapropriado
Jeito de gerar versos
Se é que há um apropriado
Verso extraído de por entre as dobras ínfimas
de um sorriso contraído a que almejo, e se
contra-feito contradiz o que digo
Sobre poesia ou qualquer outra coisa
Verso sentado no que construímos e que
Acena para ser escrito em breve
Em meio a tormentas, tufões
de aturdimento dentro dos quais
Exulto por ignorar um rumo
tufões de não saber lidar com o que veio
Com o que vem e com o que me depara
O agora em que ajo ou não
Ao sabor do que espontaneamente traçamos

Escrevo em pé para que não fuja a inspiração
Para amarrar cada momento em mim
Fugaz porque de um momento fugaz
Prendo a respiração para lembrar
De, quando esquecer, escrever
Everlasting daze from a glimpse
Seguro firme por ter me marcado
E lançado minha poesia a um vértice
digno de Pound
Que me abstenho de julgar vicioso ou virtuoso
Ou digno sequer de nota
(like that)
Everlasting bewilderment from a mocking
(non-seductive, non-calm affection)
Smile
Indelével como uma queimadura antiga
Espero que incurável.

Trago aos poucos infatigável
Uma fumaça renovada
Que sei que é antiga sem nunca ter provado
Sei também que cada poetastro destas esquinas nulas
Já provou e gostou dos influxos
E por isso se denominava
Mas a minha é diferente porque
Não sei nomear e não sei qual é o gosto
Meu reino por mãos que apontam meus defeitos
Meu sangue por apontá-los sem mais em uma pessoa
Atirá-los e rabiscá-los
Com medo de errar e deitar a perder
O rascunho daquilo que mais me motiva.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Saturnália anelar para Saturnino

May the circle remain unbroken
13th floor elevators


Toco um planeta com os dedos
De dentro sai uma sinfonia dissonante
-Liszt se arrepiaria-
Desabotôo sua camisa e o olho de frente
Desabrochando algo que ele guarda
Para mim

Pessoas em árvores é
O que guarda em cavidades
Abro-as sem pensar porque quero descobrir
Se e por que e quando foi
Que a poesia subversa
Tomou conta
de mim
De si e de todos os que pretenderam
Ampará-las entre as juntas,
articulações dos sentidos

Infimamente ligadas à torta maneira
De tocar com dedos rijos escleróticos um
Planeta à espera

(e suas)

Pequenas gavetas que não sei
se existem suportam todo o
Conteúdo do que escrevo

Quando colherdes entre os dedos o dia podre de ontem

Quando pressabi que sentia e
Queri o que haveu
Fiquei sem saída
Por sentir o que queria
sem saber se era meu

Por enquanto já dizia
Se naquilo que esqueceu
Há derrota relativa
Já sem choro resumia
O que tampouco se perdeu

Minhas dúvidas e erros nas pontas dos
Dedos chamuscadas cheirando a cigarro
Me dizem cala-te,
Ainda não é a hora chegada

sábado, 7 de novembro de 2009

Ode ao café

Sono mortal oprime
com rolos descomunais
Poesia que guardo em mim
E em relatos esparsos
Cumpre evitar dormir
Para que não comprima o que sinto
Em horas exíguas de
Que me lembro bem pouco
Mais do que retenho
Do dia.

Terrarrasada (versão da Lucrécia)

Enquanto a terra povoada
Por monstros incendeia sem mais
Razão, a não ser se ver terminada,
Fumaça entorna cinzas viscerais.
Em chamas vagueiam ainda, tortos,
Em busca da última cartada
a que justifique tudo e todos
os atos e desmandos
Assinados pelos alicates que temos por mãos,
mais se contradizem que nos organizam.
Terra jamais regada de orientação, agora
revive, de labaredas que chamuscam
os últimos empecilhos
e os rastros de inspiração -
sempre falha de frear progressos,
agora palha que espalha o fogo
que, espera-se, trará o novo.

Terrarrasada (versão do Hugo com ajudas da Lucrécia)

Enquanto a terra povoada
Por monstros incendeia sem mais
Razão, a não ser se ver terminada,
Fumaça entorna cinzas viscerais.
Em chamas vagueiam ainda, tortos,
Em busca da última cartada
a que justifique tudo o de antes e todos
os atos e desmandos
Assinados pelos alicates que temos por mãos
de lançachamas a exterminar
Uns insetos que há muito
Habitam sob nossa pele
Vísceras entornam cinzas fumacentas
A fumigar por cada poro o
Que torna impuro com o que vivemos

Prestidigitação

Routine was the theme.
Sleight of hand - Pearl Jam



Vi que em um futuro próximo
As dúvidas não escorrerão em cascatas de teus olhos
Porque a certeza de aqui
É
Mais presente como um quarto com
Um corpo morto dentro
Saber que em tudo há nada
Com que se preocupar
Apenas com manter
espontaneamente tentando
O que já atingido quer apenas
Conservar seu lugar


Tendo suas fundações sido lançadas
Ao léu e sem querer
Por isso mesmo mais firmes
Difícil que se desfaçam
Ainda que  pouco objetivo e propósito
Se tenha posto nisto

O futuro, próxima esfinge, me depara
Com uma pergunta
Me pede uma senha
Uma pergunta para seguir caminho
e que hesito em responder
Não por ignorar a resposta
Mas pela pouca vontade em fazê-lo
E assim traduzir o que quero
Quero o que já há
Por tudo o que já me traz
e instiga por enquanto
Sem garantias

Recolham os cadáveres de cavalos marinhos do meio da rua

[...] if they were the Lost Generation what would you call us?
[...] the Last Generation?
Charles Bukowski - The Last Generation

O sorriso é bonito contido a um canto do rosto
Com a faca dos olhos
Disseca pelas metades o que penso
Destrincha o que penso e o que sinto
(e o que penso que sinto)
(e o que sinto que penso)
Perto de mim, não o suficiente
À minha frente, não ao meu
lado como deveria ser
Quase um xadrez: tudo bem
ansiado
Me diz verdades, entre elas
as que não quero ouvir
E tomando sorvete me
joga na cara motivos e anseios
novos/velhos, alguns convenientemente esquecidos
Outros importunamente lembrados
Sobre os quais divirjo
Disparo sempre atrás
Do que move o coração
E a tintassangue no papel
O sorriso é bonito contido a um canto do rosto
Me lança dúvidas como dardos
Dizendo-me o contrário
Do contrário
Do contrário
Do que achei que deveria dizer
E já é um indício que não me é
Dado revelar porque
Não sei de
quê, pois me fico
Perguntando de onde
e para onde vamos
Não sou você, formiga, para diferenciar
Os caminhos bons dos maus pelo cheiro apenas
De onde viemos
Para onde vamos
Hoje e daqui a milênios
Revelações e sinceridades são pedrinhas
Que se não chutarmos atingem um
Olho e cegam
São imprescindíveis em vidas
Estes momentos a sós
Seja comigo e
Que seja contigo

Absorto abstraio os abismos
Tentando tatear sem saber o que realmente procuro
Por aqui, não perdido
Mas crendo ter achado

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Vinte e duas semanas depois

carlos acredita em deus
manuel acredita em maldoséculo
oswald acredita em carros e cocaína no coquetel
tarsila acredita que vai assustá-lo com um monstro descomunal
murilo acredita em dogmas e doutrinas
mário acredita em seu país sem caráter
jorge acredita em colagem
menotti e graça acreditam em apadrinhamento
monteiro acredita que anita é paranóica
por acreditar em mistificação
plínio acredita em antas como ele
vinícius acredita em sexo tentando
convencer cecília, ela acredita em amor
à terra à história à infância
villa-lobos de sandálias acredita em barroco caipira
e em tocar de ressaca
ronald acredita em leitura batráquia
guilherme acredita que o grego é melhor que o nosso
a burguesia acredita neles,
mesmo sem entender, acredita piamente
marinetti acredita em fuoco
opposé à
fuoco, nesses casos imprevistos mais incontroláveis

Todos acreditam que Guiomar Novais traiu

O acrobata anseia

Todo poliglota é mau patriota
Eça de Queiroz


Fiz um pedido óbvio
Como aqueles que ouvi no rádio
Sem amendoim
Jazo portanto estendido
estirado na vertical entre
Duas mesas de madeira gasta
Olhando as luzes amarelas esmaecidas
E as moscas a circundá-las
À espreita desejosas de cópula
Vultos ao longe impregnam cheiros em mim
Que não sinto nada a não ser o
Aperto no peito e o princípio
Da falta de ar que depois
provaríamos ser
imaginativa apenas
As pontas de meus dedos estão brancas
Como se substituídas por próteses
(Só reparei agora)
em como
Com chicotadas de pano de prato
o dono
(avental barbudo suor)
espanta curiosidades de
moscas e clientes transeuntes
Deixem-no respirar

Devolve o anel do moço, exorta cortante
E quem paga a conta?

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Smells like victory

Ouvindo Crosstown Traffic
Enquando comia gelatina (roxa)
Vi um gato radical se contorcer
E toquei tua mão

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Fiacre

Não conseguimos nenhum fiacre que nos trouxesse, como não caminharíamos de jeito nenhum dissemos ao pretinho recém comprado que nos levasse à rua do ouvidor em suas costas, uma de cada vez para não parecer deselegantes, pena que não havia mais pretinhos por ali. Meu marido teve de dar-lhes uma boa sova ao chegarmos em casa por eles terem jogado a fortunata numa poça de lama gritando não sou burro de carga pra carregar tamanho peso. Como não tinha para onde ir, acabou voltando a nossa casa, onde o punimos exemplarmente, mas de leve porque é também uma criaturinha de deus.

Égloga Joyceana/Schülleriana

Poema estruturado/versificado por Luísa Leite Santos de Freitas


A mais vistosa violeta
velada
da vila, cuja vida visito
vigilante,
pois vinga, viceja vitrificada
entre dois instantes vívidos.
Vi vindo a mim

 vítima
de vinte vis poemas vilíngües .
Virados em vitrines

viscosas
de um sentimento vago,
 visto que vasto, vaporoso,
visto que vital para a sobrevivência de si.

Un linceul n'a pas de poche

Lágrimas são cascatas da terra
de ninguém cuja sombra recusa
terminantemente projetar um cé
u na pele dos estrangeiros que n
ão creêm numa divindade cega a
dvinda às vezes de uma esfera q
ue paira sobre o toldo excrescente
montado em dois segundos sobre a
torre do jardim dos nenúfares branco
s que o alferes sandeu rega quando está
de mal-humor acamado por doença grav
e nas articulações inferior esquerda espec
ular e inferior direita perifrástica diatópica
da sessão a boroeste dos ventos arrasan
tes das costas de gaivotas roucas de ba
rracas flácidas acres cujas lágrimas são

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Banalidades

Hasteio sem prestar atenção
Certos monumentos em ruínas
Que brotam de minha pele
Enquanto os restos de calcário e
Argamassa me soterram
Sob uma sinfonia de crash-test dummies on parade

Minhas pálpebras não fecham
Porque a retina branca lacrimosa as impede
E sou obrigado a contemplar
Cada queda e subida do camaleão
Mais abjeto, estilhaços as ferem
Porque indefesas

Para controlar meu tremor devo
Saber de onde vem o que me
Alveja
Devo também saber o que é
E do que é feito
O que nem sempre é a mesma coisa

Corvéia

Trouxe um presente da rua
Flores, sentimental demais
Ursinho de pelúcia, pior ainda
Livro, clichê demais
Bonbons, formiga demais
-até porque existe aquele armário infindável-

Me acometeu uma dúvida
Sobre objetivos:
Não soube identificar quais eram e ainda assim
Comprei, melhor roubei
Arranquei sem piedade de uma parede contígua
Ao compartimento que não controlo

Sim e não espero que gostes
Só veja que, por motivos que prefiro não aventar,
Lembrei não da fobia
Mas da dona desta

Seu presente estava lá
Plástico grudado em teias de mentira
Quero-o aceito sem mais
Antes de saberes o que é

Mão morta

Hoje ouvi uma música que, por trás dos
Clichês mais batidos,
Deixava entrever sem dificuldade o que sinto

Cada um que preze por sua Poesia e pela
Fiel transcrição da mesma em poemas
E canções

Pois uma vez escritas não retornam
À mão original
Sendo negado direito de ampla defesa

Das intenções e dos sentidos ali
Explícitos para uns
Subretícios para outros

Pensei e pensei e
Falei, discordei, mas
Não acertei em
trazer
À tona o que me aturde.
Fica incompleto o sentido do que escrevi até agora
Sem consolidar os efêmeros efeitos almejados
Duradouros

domingo, 1 de novembro de 2009

Bestiário medieval

O que vejo contrasta com
O que sinto em contraste com o que sei
Tolhem um caminho por intimidar as possibilidades
Moldadas nos silêncios acabrunhantes
Forjadas nos recessos de uma relação
Que vinga.

Contrapostos ao que quero, ao que espectral
paira sobre tudo
E que subjacente moveria tudo
Ter ou não ter uma iniciativa para manter
espontaneidade

Uma cachoeira que é sabido que guarda
Uma caverna por trás e que tentar alcançar
Seria perjúrio

Um véu mantém léguas de distância
Podem falar brigar espernear com o outro
Para fulminá-lo ou não
Será que realmente se atingem?

Severed Hand

Este truque é dificílimo e nunca tentado no brasil. Se prepara tirando o fraque, alinhando a gravata borboleta. A cartola na mão esquerda impõe um fraseado complexo acompanhado por quase duas dezenas de olhinhos atentos. Um pai consciencioso comenta com o outro. Mágica tem a ver com enganar o interlocutor, políticos e pastores de igrejas evangélicas são muito mais mágicos que esta barba mal-feita que me cobra oitenta reais a hora, sem direito a assistente bonita.Para manter a ordem pede-se aos cardíacos, às grávidas sensibilizadas e àqueles que sofram de distúrbios de personalidade que deixem o recinto. Os adultos deixam as crianças no salão mal-iluminado e fumacento e vão para o lado de fora fumar, conchavar, falar mal dos que não estão. Envergonhado por já ter gasto tudo. Pombas em cartas em lenços amarrados em coelhos em gaiolas. Lança ao recurso menos óbvio ainda que clássico a derradeira chance de manutenção de sua reputação ante aquele exército em miniatura. Os piores críticos porque fazem o que os críticos adultos querem. Gritam, choram e falam mal sem remorsos por não conseguir produzir algo semelhante. Crianças, agora é a hora de vocês participarem do espetáculo. Deixa primeiro eu tirar essa luvas e limpar a mesa de operações. Tenho correntes extra-fortes aqui. Vou deitar sobre a mesa e você terão a chance de me prender a ela como quiserem, usando estas correntes. Depois que acabarem eu terei um minuto para me desvencilhar.
Os pais entram no salão, querem participar.