sábado, 12 de dezembro de 2009

a entrada é um vão escuro com uma escada
e a promessa paira no ar como a garoa
distorcida pela luz dos postes intermitentes
o homem do outro lado da rua observa
a lua que observa o movimento dos que entram porque
se não gostarem deles lá dentro já não saem
bem pouco foi mantido depois daquele incêndio
só digo que os conservadores foram a favor de não reformar
e fazer tudo entre as ruínas e as cinzas mesmo
ganhou uma outra ala, a renovadora, que reconstituiu
no mínimo dos detalhes a lamparina com insetos
e a chapeleira em madeira escura no saguão
de luzes parcas como os primeiros frequentadores

um cheiro é peculiar se ninguém sabe de onde veio
e assim são as memórias que não vividas
afloram desabrochando nos dedos de cada um ao menor
toque como rosas tímidas esperando o primeiro movimento do namorado
memórias sem grau de parentesco com peso do que
já houve

tentar esquecer é evocar novas vivências ainda que não
próprias

a rua em frente é deserta habitada pela lua
pelo astrônomo e pelo cachorro
carros não podem parar perto do portão enferrujado
corroído pela passagem de tanto o que esconder
e pouco que aprender nunca lugar
a que ninguém vai para isso mesmo o motivo
de atravessar uma rua um pouco longa em semipenunbra
e cruzar uma passagem que exala

mendigo eventual passa com sua carroça é impedido de seguir
por aqueles que sabem que desejam esquecer
tomando para si o que foi de outros
a memória falha em roubar, num alzheimer contrito
arrependido dos pecados por isso me contento
com lembrar só o que tenho
e com escrever o que não vivi

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