sábado, 18 de dezembro de 2010

um anão espirra
há um ano
resiste cáustico à condescendência
das risadinhas
de quem passa
e que segundos antes de ele
chamar a atenção
o teria pisado
sem querer
se os olhos de conta 
de um pássaro de vidro atravessarem minha pele, 
esbarrarem nos meus 
ossos e pousarem entre meus dedos 
da mão direita sem estar contagiados pelo tremor, 
cronometrarei a pedido deles a frequência cardíaca 
dos espasmos tossidos por acomodações de terra 
dentro do meu peito


transparentes introspectivos
tufões intrusivos não convidados,
são a pedra rosetta de 
hieróglifos privados
um rato silente, monástico de modos
emborcou um contêiner com estardalhaço
espalhou cheio de lixo sua busca copista
em detrimento de detritos, atrás de comida
e de uma dimensão menos confiável da sua tarefa
roeu o fundo do contêiner raspou tanto
degradou a junção da rodinha de metal
com o contêiner em si
corrompeu o claustro numa missão
solitariamente
a busca que o encapsularia de vez
o contêiner emborcou e mesmo com todas
as cascas de alimento a disposição
não se embriagou na glutonice
nem se resignou a ter perdido o fundo
que raspava, quiçá procurando um alçapão
que o escondesse de vez

agora presença escancarada
a céu aberto, a vista de todos que perscrutavam
o estrondo do metal raspando o asfalto
indagando tesouros ocultos lixo adentro
envergonhado de fracasso ignorante de outros esconderijos
por perto optou pelo esgoto, cansado de roer
aliás, aposentou-se como impostor
declarado de sua antiga personalidade

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

avental plúmbeo para resguardar
as vozes do ambiente externo daninho
para fazê-las rebotar e voltar à garganta
retroengolindo vômito próprio

represadas as manifestações
contidas as externalidades
açoreado o rio que liga uma língua à outra
emasculados manequins desfigurados rostos
pra começo de conversa
carapaça disforme de carne fraturada
e fome, cuja sede dos dedos
escarafuncha outras carapaças e carcaças
que semeadas no solo
começam a brotar
no campo de possibilidades
onde a catação de costas encurvadas

canibalmente almeja
à forma e ao vigor da presa vestigial
vigia com os olhos recém digeridos
em torno outros corpos
sob intermitência reticente de estrelas

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

jazigo de que flores brotam
colonizado por vida qual um livro
cujas páginas amarelaram

enclausuradas a si mesmas
entregues às traças pioneiras

jazigo cuja flora intestinal
viceja às custas de rachaduras
na pele da terra que sepulta
monologuei baixinho com meus botões
alheios a que os tamborilem dedos ávidos
escarafunchando as vozes do meu casaco
usado dos friorentos anteriores

um fio solto, uma fibra desgarrada ou
tornada a tecer, um volume no bolso incômodo
outros que habitaram este casaco imiscuem
seu dna ao meu a cusparadas
de passado imposto
Te interceptei a tempo, enquanto você apertava o botão do elevador que eu demoraria três minutos e meio, aproveitados pra escrutinar seus olhos em busca de vestígios de nós, para lembrar que estava pifado. Te interceptei é modo de dizer: eu ouvia Vanguart enquanto você convencia a si mesma a dar uma volta, quem sabe se pra pensar ou pra esquecer do tempo que eu acabei de pedir. Quando você me pediu para ir trancar a porta, tentava me estimular a revisar um texto tentando fugir da visão caótica das nossas coisas imiscuídas impregnando a mesa tal e qual o cheiro de verniz e lixo impregnaram o saguão do elevador durante o tempo todo que durou o duelo dos olhares. Neste instante o celular que você esqueceu aqui, usualmente pouco precavida, tocando o alarme que nós combinamos que seria a senha para nos acordar de uma soneca vespertina me diz menos sobre a marcha das coisas numa língua mais incompreensível do que a do amor, o celular me interpela na língua do atropelo, improvisa como eu improvisei mecanismos de achar as razões que me desestrangulassem. Te interceptei na justa encruzilhada em que diversos de mim tratavam de se fazer de surdos aos apelos próprios e aos dos outros. Quando eu me lembrei do mau funcionamento do elevador de serviço, você entrou de volta no apartamento me fazendo achar que tinha capitulado, só foi atrás de papel para se desafogar, assim como eu faço e tento fazer, embora já seja tão inútil quanto previsível – e verdadeiro – dizer que não quero males distribuídos a esmo, nem quaisquer outros males. Um beijo de esquimó nos selou, logo da chegada que deixaria por último rastro seu antes do tempo a faixa estreita dos seus olhos que a janelinha de vidro da porta do elevador antigo permitiria.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

a chuva correndo fora estrondeia
um reflexo do estrépito dentro de mim
mas suas lágrimas não são as minhas

o pior dilúvio sou eu às portas
da maior alegria.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

a chuva perdeu as horas
outonalmente, como folhas de livro
desgrampeadas pelo caminho
e permeou tubulação - recrudescida
pelo acúmulo de detritos atravancando
infiltrados nas vidas alheias -
subreticiamente lavando

a chuva açoita as costas nuas das casas
arranhões visíveis na pintura, comprovam
que a chuva perder a hora e sedimentar
aluviões de apagamentos nos canos
sob a cidade, contaminando os poços
de amnésia,

depois de perder as horas; anestesiando,
a chuva disseminou uma indolência tardia
ninguém mais trabalhou
no fim da tarde, deitam nas praias do rio
contaminado indolente também
conjecturando o céu e as garças, mais limpos
cuja memória, a chuva erodiu

a chuva cava buracos no chão, lixivia e
nubla um solo do qual passam a brotar
cigarras contagiantes pigarreando a deixar
cabeças preenchidas por
nuvens apenas, orfãs de corpo

terça-feira, 16 de novembro de 2010

rufem os tambores, o homem-bala-de-canhão prepara um vôo sobre a platéia
o alvo é a rede de proteção, localizada ao fundo da lona
a propulsão pode aplicar força demais nos pés dele
aí nem o capacete dá conta, e saia da frente quem estiver na frente
a complicação são esses dois aros em chamas, no meio do caminho
e calcular o lançamento pra não acontecer o que aconteceu ao último
homem-bala-de-canhão, que deixou orifício ainda não remendado na lona
quase em cima da arquibancada, passou reto destinado a pousar
uns bons cem metros fora do perímetro a milímetros do cacto que
lacerou o macacão, azul estrelado reaproveitável pelo novo
cuja próxima façanha pretendem que seja planar sobre sem atingir os tetos
de oitenta e três carros compactos, intrepidamente

longa duração, sem proteção
homem-bala-de-canhão, voa mais alto que um avião.
os livros escoltam o sono
encostam qual cachorro
fingindo que as costelas
esfregadas na perna alheia
são sem querer, o dono sabe
mas finge que não, prefere
ver até onde vai a carência
os livros são cachorros mudos

o frio invadindo pela janela
é tão desejado quanto o golpe
de misericórdia sob a forma de
último suspiro, dos sons da rua calados
o que não é o quarto calado
o lirismo dos nomes calado

os livros escoltam o sono sem dizer patavina
como se carregando um caixão pelas alças
desenganados fumegantes ainda
mantidos acordados pelo frio que vem da janela
artilharia
batalhão
batalha
balestra
besta
bombarda
bombardino
brinquedo
infantaria
(sétima) cavalaria
embarque
fragata
galeão
filibusteiro

embuste

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

um pássaro entrou pela janela aberta
no silêncio pegajoso que só o calor pode propiciar
à procura de um canto para dormir
vasculhou armários e gavetas, os livros e as roupas
e os papéis não deixavam espaço
suas garras firmaram-se na tela retrátil do notebook,
a qual achou volátil, mais quente ainda
sem abrir o bico
tentou a luminária, quente demais
de debaixo da cama o mau hálito de um monstro
o enxotou - tá ocupado, amigo -
quase depenado, desistiu logo do ventilador
o vai e vem da maçaneta o esmagaria dentro
de pouco
o barulho no violão pareceu insuportável
chegou a cogitar a fresta entre a cama e a parede
e preferiu, foi ficando, sem palavras;
não se sabe o que irritou, o calor extra dos lençóis talvez
o fato é que o flagrei outro dia com as patas no meu rosto
tentando habitar minha boca
nidificar na minha voz
o delito cometido não é contemplado no ordenamento deste país
não é delito portanto, embora seja punido, habitualmente com morte
no dia em que decidiu deixar as coisas interminadas

e terminar o que não começou e partir do meio para acabar no meio
revertendo a ordem, de delineamento das condutas
dos personagens deste país, desfiando a linha de raciocínio
que outros usam para se guiar dentro do labirinto
descosturando à noite o tapete costurado durante o dia
aos olhos vigilantes dos pretendentes sórdidos

o delito de sempre de desviar ao longo do percurso
da linearidade e dos contornos precisos
e da responsabilidade de viver combatendo a desordem
se não é punido, é visto com maus olhos
no ordenamento retilíneo do país das consequências

no dia em que, de cabeça pra baixo, resolveu trocar os gestos de lugar
sofreu a reviravolta do looping invertido.
perfiladamente as cabeças olham para a esquerda
procurando por um leste através das nuvens
tingidas sanguinolentas
um destacamento qualquer, posto avançado
encravado no deserto em que traçaram
fronteira difusa

no pátio extensamente cimentado
trinta e sete homens hesitam ante a vontade narrativa
de submeter o curso dos eventos
a uma lógica interna,
perfiladamente decidem se depois de fuzilados
doarão de boa vontade sua carne
para ir substituindo no prato dos oficiais
a caça que escasseia

procuram um leste desorientados
o cachorro que uivava por ali já foi pra panela
junto com as garças capturadas em seus rasantes
na forma de última refeição do regimento

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Ata crepuscular

à porta falsa, labirinto em Creta
refulge o breu pela espada em punho
tilinta inábil em afugentar dez garças
como poleiro jônicas cornijas
de suas asas curiosas verem
do lento farfalhar no elmo atrida
de brancas penas o reflexo abaulado
que rachará, decerto vulnerável
às garras do monstro - cujo leito,
por ósseos mantos recoberto, fixo
no centro ausente da cidade falsa
cumpre esgarçar -: espada direita
indômita, a esquerda tingida rósea
culpa é da cor de carne do novelo
em cuja lã o enlace desespera
dos dedos ávidos por cordas, vítimas
sete crias de Atena, a preferida
quatorze gentes macho e fêmea encarcerados
sandália acerta pedras veemente
infiltrado sob a fresta impostora

calabouço de vontade impostora,
o muro externo esboça recusa
pela impaciência ataviado
prestes amanhecer Teseu aguarda.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Poema subjacente.

a terra vermelha invade pelo ouvido
áspera, retém na memória
pegadas para indicar o local
exato onde devem depositá-lo
para que ouça ribombar um peito
no subsolo

receosa em entregar o guardado
por tanto tempo para este momento,
a terra estremece em contato com
a pele de extinto frêmito
terra virgem, ventre selado por passadas
ruínas, rotas e travessias
nunca d'antes auscultadas

a terra floresce com
o corpo que fenece.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Argumento ornitológico II

O anverso do facho com origem 
na luminária entrecortado por 
um vulto brusco que, 
ao passar 
voando, é refletido pelo espelho.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

circunlóquio

25, 23, no batalhão dos meus gestos
enfileirados lê-se
sou eu aqui, assinalado
de mãos dadas a alguém com
um xis sobre a cabeça
me apontando

no batalhão das minhas palavras
existe uma singela/solene
que me mostra apontando

sendo essa hora a de atirar e de receber o tiro
no peito para ver se os dedos trepidam
de novo,

é bom deixar claro, que na falta
da palavra me perdi no labirinto de estruturas
acordar trabalhar acordar
quase ser atropelado tentando chegar

quase ser

japonesas, negras, brancas, azuis
de boné
as cabeças que flutuam desligadas
de pescoço numa nuvem
enxame de gente enxameando
em torno de mais gente

a fase do videogame me diz
para atirar uma maleta de dinheiro,
as notas espalhadas atraem vilões,
gente da vila em suma
sei que estou te pedindo demais
e sei ao mesmo tempo que ter
paciência em arranjar nossa vida
pode compensar num futuro que
é nosso
e apenas isso

desculpa, sabe?
e obrigado por vir

domingo, 26 de setembro de 2010

frio
frio bom, dos que dá pra
aguentar sem camisa
o cortante da brisa interferindo na respiração

frio dos que faz vicejar
o que há muito era sufocado pelo
calor incubado

frio do roxo das pontas dos dedos
bom, já digo, é pouco
comparado ao frio de dentro
me pergunto se é drama
ou é mau indício

o vento diz que não
que a maré é boa
e que as velas tendem aos lugares inesperados
à praia oculta
à cidade impostora

ela vem faceira
ela vai faceira
easy come, easy go

me pergunto se é drama
ou se confio em meus olhos

o som da lâmina de uma faca ao ser desencrustrada de um peito

sento no banheiro
e cada ronco do motor
que ecoa na rua
eu suplico a alguém
que seja ele indo embora

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

encontrei um mar revolto
que mede um metro e meio
um mar em meio à terra de
ninguém: eu, terra. delimitada
por água que confinou as
minhas marés

ao presentear a lua
ilusão de movimento
de uma legião de impostores,
eu no sofá vejo por canto de olho
que projetam teatro de sombras
na periferia do que enxergo

na periferia do que paro e assimilo

a tela da TV nos imagina,
convexa,
refratária ao que têm a dizer
mostra reflexos alongados
qual fantoches
sentado sofá no chão em
volta de mim

quem sabe?
as testemunhas somos eu
e a reca
os atores são os outros
e embora não muito diferentes

fazem coisas diferentes
e aparecem na TV

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

o meu corpo que não dorme
tem que ser diferente do que trabalha 
e toma ônibus

enquanto o meu corpo jazeria 
o dia inteiro, o resto da vida
na cama, levanto poeira com 
impensadamente sair andando
no meio de um sonho senão
me atrasaria para a aula

o corpo que não dorme estendido 
na calçada, a multidão ignorando,
é o mesmo que passa a noite
digitando sei lá o quê
visualizando sei lá o qual
preparando sei lá o onde

esse corpo chega perto de acordar
tão perto quanto o sono o não prende
meus dedos o computador represou
e meus olhos alguém levou embora

se sobrei alguma coisa sou migalha
de pixel insone

preciso parar
antes que o tempo me atropele

Pensei em Caeiro em pessoa

há metafísica bastante em não pensar em (que)
há metafísica bastante em não pensar em (que)
há metafísica bastante em não pensar em (que)
há metafísica bastante em não pensar em (que)
há metafísica bastante em não pensar em (que)
há metafísica bastante em não pensar em (onde)
há metafísica bastante em não pensar em (que)
há metafísica bastante em não pensar em (se)
há metafísica bastante em não pensar em (que)
há metafísica bastante em não pensar em (que)
há metafísica bastante em não pensar em (que)
há metafísica bastante em não pensar em (por que)
há metafísica bastante em não pensar em (que)



(há) nada.

sábado, 4 de setembro de 2010

as paredes são transparentes
se é preciso ambientação
diria ainda que os camundongos
guincham antes de serem içados pelas caudas
e postos na porta exígua do labirinto
em que serão expostos ao clássico
cheiro - só cheiro - que perseguirão


em geral encontram o botão vermelho
após algumas voltas
e quase com certeza preferirão o choque
a passar fome


um com ar de melancólico -
só fingimento - é o mestre da repetição
rouba o queijo dos outros
um gosta da sensação de não ser ele mesmo
por isso finge que fareja
um outro gira numa roda metálica
num protótipo de entretenimento
infindável, que é melhor que comida


e preferirão vidrados o choque
que se ericem os pelos e calcinem as patas,
está bem, enquanto conseguirem comida
ou enquanto girar lá a rodinha, gostam de
estar restringidos a algo que julgam invisível

A flor mais grande do mundo brota-lhe do suspiro final

em um prédio de apartamentos
um velho morrer a portas fechadas isolado do resto
e de seu corpo nascer flores
das pústulas amanhecidas que a escuridão do quarto vem regar
quer dizer que os parentes demorarão vinte dias a dar pela falta
os vizinhos demorarão menos,
quinze dias,
graças ao fedor

um velho morrer e não saber que morto
não sente, às vezes, a imobilidade
dos membros, logo depois de acordar

e simplesmente sobre a normalidade das
pernas matinalmente trêmulas desejar
uma fruta da fruteira da mesinha da cozinha

um velho que lúcido é morto só tem um desejo
que é não tropeçar num tapete ao entrar no corredor
ou ver que o cachorro não babou os jornais

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Tragaluz.


con fingida lágrima, con simulacro de comprensión
J.C. Onetti

En la ciudad no se puede vivir
Sin tener oficio conocido:
Nicanor Parra

percebi que tinha um velhinho, parecia cego, me olhando com olhos baços, suando muito, parece que estava chorando também,
como se custasse muito esforço me ver ali,
como se a qualquer momento o semáforo fosse abrir e ele cegasse justamente por isso
das duas uma, ou estava esperando que um carro me atropelasse ou queria falar comigo
o que vier primeiro
emprego não devia ter, para estar ali àquele horário
pelo menos não tão bom quanto o meu
só armazenar o querosene de avião sob a língua
e borrifar na hora certa os malabarismos eu aprendi há muito tempo
engraçado que sempre repito os mesmos dois ou três movimentos
não sei se as pessoas reparam
esperou mesmo o sinal fechar, me abraçou disse
você é o cuspidor de fogo mais comovente que eu já vi
me viu passar recolhendo e não deu dinheiro 
não quis conversa, nesse dia os cigarros estavam me deixando afônico
começou a falar, a propor algo vagamente no turbilhão da rua
que eu o seguisse ao metrô, como o alice e o coelho
aproximou muito a boca da minha orelha
semi-sussurro nos barulhos comuns que viu um homem ser morto
facada
em público uma vez me perguntou se isso me afligia
será que ele queria me vender algo

[a salvação por meio de drogas
  a salvação por meio de bíblias
  a salvação por meio de amendoim torradinho]

um preto tocava saxofone ali perto
nem ele tinha dinheiro nessa época
todo mundo trabalhando na rua pra ganhar um por fora
não adiantava, os chapéus continuavam vazios
as pessoas de olhar reticente
dentro de carros bufando de insatisfação

aquele cara me atordoou
nem sei se foi porque chegou perto demais de mim
embora corresse, não me senti ameaçado
se ficasse ali talvez envelhecesse junto

comecei a andar sem olhar para trás
atravessei algumas ruas que começavam a ser mais desertas
sol, uma presença incômoda indo pelo ralo
tremi, abri a porta, fiz um sanduíche, acendi um baseado, deitei no sofá, olhei para o teto, mais opressivo hoje
com olhos de velho chorando concreto numa praça
terrivelmente sozinho o ventilador não espanta moscas
talvez tenha me dito algo de tigres gêmeos e espelhos dialéticos

sou num verso de nicanor parra
numa rua latino-americana
índio fumando na esquina com um tênis só e a tribo já não há

tragafuegos en el desierto
deserto ele mesmo
scott walker:duchess

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

o caminho acompanha os pés que se perderam
sem encontrar o fim da rua
na linha de chegada dos corpos cansados
das almas lavadas

quando morrem o caminho não acaba,
só sepulta sob o asfalto
porque morrer não é o fim
é só o fim de deixar coisas para trás.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

queria aprender a chorar em silêncio
imitando certos pássaros que piam à noite
que dispensam gotas de pios na forma
de lágrimas
que refletem a lua em seu corpo prateado,
que ninguém vê se não presta atenção aos
barulhinhos dessas gotas, quando qual moedinhas
c
h
e
g
a
m
ao chão

terça-feira, 24 de agosto de 2010

A mãe chamava de bagunça, 
balançar de pernas pro ar, chutando nuvens. 
O avental sujo à porta, às vezes virava de costas, 
trancava-se. 
A menina no balanço deixava a mãe, assistindo da janela 
enquanto lavava pratos, apreensiva; 
sempre podia cair bater a cabeça, 
ou um vento arrastá-la pelos ares: 
levantando-lhe o vestido, jogando seu corpinho de cabeça 
contra uma árvore. A menina conversa com pássaros 
mas disso a mãe não sabe.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

o banheiro do cinema dá pra augusta
dos mictórios debaixo da janela
o que o sol permite é um retalho
ordenado de caos calmo inundado
de seus olhos e meus olhos, que o pouquinho
de céu entre duas varandas
e uma antena parabólica cegou

o banheiro do cinema tem cortinas
pretas que dão as costas para os azulejos
brancos, banheiro comum, de bar
escondido das pessoas que escondem
pela grafia errada do luminoso toalete

a rua, no que atroa lá embaixo,
dos passos de gente sufocados no barulho
que produzem, sem saber aonde ir
desorientados com o próprio espalhafato
o banheiro dá para a ordem dos labirintos
para ordem dos vasinhos nas janelas

anonimato detalhado de muita gente, convincente
o banheiro do cinema dá pra multidão de personagens
sem rosto ou história, só com a calçada nas mãos fugidia
da uma só tela que é o quadrado da janela na parede.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

firme e forte
fina flor de pele
desabrochando sob meus dedos

afundo a fundo
minha língua em você existir

fricção.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Se a superfície do concreto irromper em flores,
que serão dedos a engatinhar pela cidade, novas
de onde antes eu não via algo além de áspero
desdivulgadas flores de rostos outros desabrochando
dos corpos que a cidade enterrou sob ela mesma

se os escapamentos dos automóveis espirrarem pássaros
(rasante alergia causada por pólen novo)
que nidifiquem nos pilares dos palácios do governo
por dentro
mobília antiga enxergada por janelas que acabaram de trocar

é porque sim
porque durante um engarrafamento às seis horas da tarde
ocorreu a alguém subir ao capô de um carro
gritando sobre fim dos tempos à luz do sol se pondo

quando um caminhão atropelou a pessoa tombada no asfalto
e o sangue vertido se infiltrou asfalto adentro, regando
as sementes soterradas nas entranhas da civilização,
plantadas nos telhados de uma outra civilização: que a atual
soterrou. O sangue do atropelado fez as flores, rasgando
a cidade por dentro, irromper.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

armários esvaziados
para fora dos hábitos
chapéu, violão, caneca,
ingressos, céu, ônibus,
livraria, calçada, poste,
ideologia, sorriso

os mundos que pertencem
são já outros
malas prontas em um trem
de partida: só de ida
alguns segundos escorreram dos
dedos da ampulheta agora é
novo de novo, obrigado

a moldura entortou de vez para
adaptar a perspectiva ao quadro

domingo, 8 de agosto de 2010

sentada nos banquinhos
que alguém deve ter cobrado taxa extra
para posicionar debaixo do prédio
ali sob as árvores
, que ninguém usa

de onde é possível flagrar o porteiro
dormindo em sua guarita
e classes-média de relance às janelas debruçados

banquinhos brancos
que assistiram passar cachorros,
donos de cachorros e caminhantes;
todos perturbados por folhas crepitando ao
ser pisadas
uma bicicleta eventualmente atravessa os olhos

é neles (pintura semi-nova,
pio de pássaros) e a partir de dormir neles
olhando no alto o enroscar das nuvens
que ela pensa
o meu último dia aqui foi o de céu mais amplo
tão amplo que derrubava uma névoa fina
quase antiga sobre as coisas, que eu enxergava filtradas
poeirentas de secura por entre as quais
eu me movimentei como num pântano,
pé prendendo em galhos enlameados
as coisas me agarravam pelo pé durante um lapso
antes de me encaminhar rumo a mim mesmo lá no outro espelho
, que são seus olhos,
me arranhavam ao me desvencilhar
o céu de duas cores abriu a mão em um aceno
o meu último dia aqui foi de objetos mais
ao alcance dos dedos, que estavam curiosos
em deixar suas digitais no que não mais pertenceria ao toque
de antigamente
e souberam farejando a secura que era hora de ir indo
ir indo tirando o pé da lama, movediça:
respingando como as nuvens que alguém torceu com tanta
força até desaparecerem, deixando o céu limpinho

que aí sobrevindo se meteu
todo gripado trovejou no seco pra se despedir de mim

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

os pés da mesa descascaram
e lá parece uma caverna
com os livros arrumados na estante
e com aquele hálito de tempo
preso entre os dentes com dois habitantes
presos entre os dentes

depois que os filhos foram embora
e só sobraram os dois no baralho, no piano

o pátio com jardim de inverno
com plantas escalando as paredes cobertas de musgo
com janelas encima e embaixo
silenciaram a conversa que mantiveram
entre si a noite
quando as crianças dormindo

a piscina estancou de azulejos trincados

dedos enrugados sobre a teclas de quando tudo passou
nos retratos da parede
é só onde imobilizado persiste

no sorriso da fachada
cáries onde os pássaros pousam
no grunhido da porta que é
o dos habitantes, há o caseiro também
espanando o pó
como se houvesse volta, mas não sei

as cartas se empilham sobre a mesa de jantar
e o pulso do piso esmaecido da cozinha
e um vaivém de passos antigos
e de correrias de meninos, velhos agora
prováveis latidos a encher a casa por dentro
estofar o que agora murcho
jaz a um fim de rua, sem saída

claustrofóbico telhado que a cada minuto mais próximo de ruir
chega mais perto do chão
abafa a respiração do que sobrou lá dentro
do velho, da velha e dos móveis saudosos dos tempos em que
as janelas armazenam ninhos de pássaros
nas reentrâncias que o tempo arranhou
coçando as paredes, desfez a pintura
e uma revoada de percevejos coloniza sob o colchão

os olhos da casa semicerram a rua
cada vez mais 
uma cadeira de balanço
em um alpendre embalado pelo vento

terça-feira, 3 de agosto de 2010

as bocas se procuram no escuro de um túnel
incomunicado
as bocas desviam de si e do céu
saída sem contato com a entrada

as bocas de um túnel não encostam
imersas no véu
bre, que palavra nenhuma toca
esperam a língua do trem

as bocas tateiam
recobradas luminárias, a luz no fim
em que começo de beijo e
carícia e conversa reatada

as bocas que um túnel recém dá à luz
e um brisa - como um grito - que atravessa
as bocas-de-lobo do esgoto
e uma brisa - como um susto que atravessa - como um rosto -

(ruído ao fundo de trem de carga passando ao largo
ruído mal formado de voz descarrilando)

espelho paralisado monólogo
das bocas que se procuram
percorridos por nenhum trilho

quinta-feira, 22 de julho de 2010

vagar por estas ruas de vazio multitudinário
[num estertor de fôlego extraordinário
é entrar cada vez a um banheiro público
amplo e de limpeza fingida
cujos boxes emparelhados
são gestos das pessoas

portas que encerram alguém
em pose insólita e querendo se libertar.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

na terra amassada sob a passagem de um trator
as marcas das rodas têm
a forma de uma coluna vertebral
mas isso não é poesia

um céu intermitente no corredor,
o poste pisca nosso fim de poema de fora da janela
nada de nada
nonada
teu ouvido surdo a vísceras espalhadas na estrada
imprecação contra o deserto
e carruagem de fogo desenfreado.
nem um tiro
pelo seu ouvido só passa mel
e chiados de televisão:
chuviscos de vida interferidos

nada de nada é tudo de tudo
que a tua poltrona veda a visão
periférica da periferia
de si e do mundo

mar atroz nunca dantes navegado
por quem só ouve o melífluo
do melífluo canto das sereias

e da poltrona
aquela poltrona que já se amolda ao corpo

nada de nada se eu quero violência
e as palavras são as paredes acolchoadas dos outros
Ônibus rapidamente convencem as pessoas
a sei lá
serem menos elas mesmas
porque apertado ali num cubículo de metal
lata de sardinha
ninguém é alguém se não for
em contato indesejado com o outro
ninguém é ninguém
e ninguém olha olhos se não forem
os de si mesmos refletidos no vidro
da janela do Ônibus que projeta rápidas
cenas de vida exterior
borradas, de que nós passageiros estamos excluídos sem rumo

é isso, não?
estamos excluídos
apertados em contato humano indecifrável
como as palavras que soltas ecoam dentro do ônibus
e não extravasam
para ser ouvidas pela vida real

ninguém é satisfeito ali em pé
esperando o próprio Ônibus
porque todo mundo é.
uma nuvem desceu e disse a quem esperava
pela vinda das nuvens que deus perdeu o ônibus
e o meteorito atrasou
e de tudo que se esperou
só o que vem agora é o sorriso dela.
a formiga cruza meu caminho
áspera
fila delas liga uma fronteira a outra
e forma meu corredor
eu ladeado de formigas, só sei aonde vou

quinta-feira, 15 de julho de 2010

vão ficando pelo caminho
migalhas de máscaras
que os corvos devoram

lágrima de sal, estátua de vidro

terça-feira, 13 de julho de 2010

Me dá a mão, menino
e se certifique que dos dois lados não vem carro
e que nenhum meteorito, bituca ou frisbee
acertará nossa cabeça

na verdade é melhor você ficar aqui dentro do carro
ou não, ele pode explodir
pálpebras quase encostando
sem café afasto
não quero formar mentiras
que outros já contaram

falar de algo novo
nunca antes sentido
ou mencionado algo que não cabe
atrás da cortina das palavras.
cordilheira fora dos padrões
nuvens vistas de cima dos prédios
flutuo nos olhos que são oceano

segunda-feira, 5 de julho de 2010

o galho lá balançando
quando ex-poleiro da coruja recém-decolada
guarda vestígios ele mesmo de ser

parte do vôo
parte da coruja

domingo, 4 de julho de 2010

pra Fernanda: cujos olhos...
ah -suspira-, cujos olhos...

um avião dentro do peito
a garota aponta o céu
o mundo das nuvens em que flutua
o corpo a cabeça e o resto

beija-flor pousou
no pulso do meu amor
e pelo pulso sentiu
que é amor assim
cuidou, a flor abriu

seu sorriso floriu em mim
nuvens são dentes de leão que o vento desfaz
seu toque desabrochou meu peito entregue.

sábado, 3 de julho de 2010

na minha contra-mão
com um rosto antigo de vincos
carregava sacolas na esquerda
e uma criança na direita
diferente rosto

nadávamos incógnitos na estrada menos percorrida
carros alheios são parede daquele corredor
que contorna
não se insere no labirinto que duas pessoas são

na minha contra-mão com um rosto límpido
se a expressão é o que pensou,
a vontade da criança de ir aos lugares
que a proteção da mão que a segura impede
também é uma máscara igualzinha

eu de volta
eu no princípio da descoberta
achando aquilo inédito mais uma vez
meus arregalamentos inauguraram as coisas
estranhas num começo derivando a grotescas

um meu espirro checou em torno e encontrou saída;
antes que alguém puxasse assunto
passar direto evitar que cutuque

pior que papagaio no ombro
pior que mariposa ser um tapa-olho
eu de vinda e ele de volta
mas à sombra da parada de ônibus ainda é só
o homem vestindo máscara cirúrgica

sexta-feira, 2 de julho de 2010

lá depois do campo aberto
o corpo vê um barco acenar a distância

por entre cimentos abissais e construções
um raio-x atravessa o ar
e atraca à beira do lago

ondulante vento
ondulante água

ondulante corpo
sob o sol vigilante
a trêmula miragem

que a memória é
achou ver o barco

uma sombra sugeriu o barco
tão liqüefeito quanto o lago
e o corpo acreditou

terça-feira, 29 de junho de 2010

Nocaute poema

10. estalar---------arquibancada
09. câmera: close no ringue
08. escrever------briga, hematoma
07.
06. soa  o gongo  
05. linha de rinha
04. de galos
03. traços vermelhos: 3 no ar
02. separam a briga do público
01. a linha do papel é a distância
nocaute: entre escrever e o estalo

precauções com o lutador caído:

o locutor  aliviado com o fim só quis participar também
pular da platéia ao palco
também beijar a lona

inspiração é tapa no saco cheio dos treinos, é assistir na tv
poema é cruzado deslocador da mandíbula

segunda-feira, 28 de junho de 2010

- tá vendo aquela flor ali, Bia?

- a roxa?

- essa não a outra, a mais comportada

- que outra?

- aquela branquinha ali no canto, quase escondida

- ah, tô vendo sim

- então

- que que tem ela?

- então, a primeira flor que eu pus no cabelo da mamãe foi uma daquelas

- antes das coisas acontecerem do jeito que foram?

- sim, a gente apaixonado e tudo mais

- por que você fez isso?

- porque a gente tava passando nessa exata rua e eu senti

- e aí você segurou a mão dela?

- uhum

- e por que não faz mais, papai?

os olhos baixos dele acompanham uma tosse contendo um suspiro

- deixa de pergunta difícil, querida, que senão a gente vai se atrasar

- mas você ainda queria pôr uma florzinha dessas no cabelo dela?

puxa a menina pelo braço resmungando

- sai do meio da rua, Bia, vai que algo nos atropela.

domingo, 27 de junho de 2010

aquele mendigo me disse que é,
e ele não mente,
a hera que se infiltra nas rachaduras do concreto
como se a fome disseminasse a fome 
por trás das moedas esparsamente jogadas na caixa do instrumento
como se os acordes desse saxofone reverberassem
nas infiltrações da cidade e das pessoas
lágrimas feitas de notas musicais
estátuas que extravasam sangues pelos olhos


um apóstolo de pedra-sabão comovida
o desdém eqüestre de um marechal de mármore espada em riste
os berros de desbravadores comemorados em praças em honra a


o mendigo é uma planta que infecta
a calçada com os feixes de notas 
que arremessa 
braços vegetais abraçam a cidade em ruínas


aquele prédio chorando
aquele automóvel delira
assim que fome deformante daquele bebê ecoasse 
nas vontades dos rostos dissonantes
a música dele perpassaria transpassaria pervadiria


onisciente sax onisciente céu observa


agora imaginem se na porta da loja
famosa
se postasse um mendigo assim
que derrubasse máscaras
e atraísse os pássaros
só com soprar num pedaço de metal


uma música o mendigo oferece
uma fome o mendigo suplica

quinta-feira, 24 de junho de 2010

queridas árvores,
ontem uma gota de orvalho pousou 
sobre a folha
que acabou de cair 
de mim

gota lágrima de recém-nascida 
pelos sulcos da pele estrelada

queridas árvores,
um passarinho entrou pela minha janela
e deu nome de novo às coisas

nomes novos: rastro de formigas chão adentro
inauguram a nossa civilização de árvores
nos silêncios recentes das pessoas

segunda-feira, 21 de junho de 2010

vazia
vaza a ira
vadia

sábado, 19 de junho de 2010

nem que calassem as pedras
e as caravelas ensurdecessem
à paisagem que você vê da soleira
de madeira gasta da sua porta
em parati faltariam palavras

o calçamento da rua sussurra
sob seus pés, encosta o ouvido no chão
atento pro coral de vozes das pedras

nem que calassem o vendedor
de doces e o piano da donzela
(n)o fim da rua fosse demolido
só passe em silêncio, a hora do por do sol
na baía guarda histórias
atrás da montanha

sim, a lâmpada a gás, inconfidente
o mascate enuncia um discurso
no púlpito do teu peito atônito

não esquece que de quarenta em quarenta minutos
é a vez do rio ser a prosódia da cidade
a torrente de gestos invade os habitantes
o contato frio das pedras encharcadas
recém úmidas da língua do rio

cultiva musgos entre os tijolinhos
da cidade que estreamos
porque a secura do concreto precisa de um rio
colonial e muito antigo, com vista pro mar

sexta-feira, 18 de junho de 2010

a primeira vez que berenice viu um corvo pousado num fio de eletricidade
um corvo quebrava o ritmo daquela linha
era a vírgula mal pousada no fim de tarde da vista da nossa amiga,
que sentou num tronco cortado, cruzou as pernas e se dedicou a contemplar
o desprezo do pássaro balança com o vento, que não a olhava nos olhos
quis de algum jeito uma escada e segurá-lo entre os braços
tirar ele dali, daquele varal a um canto da cidade:
naquele frio e naquele vento parecia ensopado um passarinho
empalhado empilhado numa prateleira

os vôos de pássaro e as palavras de menina
carregam no bolso uma relação que pouca gente descobriu
um precisa do outro pra existir
a palavra voar e o vôo apalavrado lhe pousar no rosto.
raio-x
de dentro pra fora
os ossos do passageiro
enxergarem corpo afora

o coração do outro lado
o fígado substituído
o braços secando em um varal

detector de metais de dentro
marca-passo, podômetro?
nada disso, é saber que quem está perto
deixa digitais por todos os lados
trepido em me afogar

um sonho claustrofóbico
de paredes, cal invisível,
castradas, rosto deformado

a
f
u
n
d
a
m

sem tipografia
sufocado entre as paredes
que me velam ao dormir

repetem e voltam no início,
uma torneira vazando no escuro
pinga suor
acorda quando prefere
do sonho claustrofóbico de janelas
que devoram a própria cauda.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

há tempos eu não ando na rua
pra ver se o asfalto ainda pulsa
como os olhares famintos das pessoas
avidez de movimentos

querem um catavento?
querem ver em que direção o mundo sopra?

porque eu não sei se minha casa sou eu
ou a faixa de pedestres
esqueci a calçada
e ser oblíquo sob um poste

me recolhi à ironia de um casulo
num casulo de discurso teço meu veículo
meu texto recolhido a mim mesmo é
só o que sobrou de comunicação

perdi ritmo,
pois preferi o compasso
a atravessar com o tempo a cada nota
perdi minha rua
me perdi na aldeia labiríntica de reelaborar
o que não entendem

os vendedores ambulantes agora são só meu erro de digitação

sem poesia, por tautologia reduzi
mas ganhei mil dedos mais curtos de digitar prosa.