sábado, 24 de outubro de 2009

Desafio dos sete minutos

Bolhas na bile
Sobem e flutuam
Como os pensamentos sobre alguém
Onipresentes
Quebram a tensão superficial
Ao atingir o topo

A espuma quer me dizer algo
Que não entendo
Mas sei que é amargo
E o líquido transborda
Em confissões ínfimas
Desmente todo o resto

Façamos assim:
Eu pago essa cerveja e ficamos quites quanto ao almoço

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Fin de Siècle

A poesia é a forma de traçar
Na areia deste deserto em que vivo
Teu nome, as infinitas vezes
Que o que sinto me obrigar

É como disfarço,
Remetendo aos poucos
O que retém minha atenção

O dia sem os olhos da poesia se arrasta
Enquanto escrevo/escondo
O grito
A ecoar nestas páginas, em
Meus ossos e em tudo o que faço

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Haicai-palestra

Um perfil, de longe,
O lado esquerdo contemplo,
Pois a quero perto

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A culpa (pt. III)

Sai do bar aparentando indiferença. Afinal fora com indiferença que ele tivera o desplante de começar a imaginar coisas sobre eles dois. Aquela metáfora selara a falta de interesse dele por ela, então era hora de deixar de se esforçar desta forma por algo que a ela já não aprazia e não interessava muito. Fora interessante no começo indagar até onde tudo aquilo levaria. A descoberta e a identificação. Eram poetas, mas passou a haver algo mais a uni-los, ou era o que ela achava. Nunca se considerara e não queria ser o pilar disto tudo. Mas sabia agora que a ausência de empenho, com que agora se propunha a tratar isto tudo, traria a ruína. Estaria distante para dar a ele a chance de provar que a merece. Dissipando assim aquela aura unilateral a que ele hoje submetera a situação. Se fosse somente para depender dela e de sua admiração pela poesia dele, estariam agora fadados ao afastamento, à frustração no mínimo. Ganha a calçada e se põe a caminhar a esmo. Passa pela pracinha perto daquela loja onde comprara uma camisa para ele. Aquele banco quebrado perto do poste intermitente já fora deles, já trocaram muita poesia ali, sussurando-as. Ou será que o banco fora dela apenas? Senta-se. Não naquele, mas em outro banco. Compra pipoca. Se dedica a alimentar pombos.  O sol às portas da morte, prestes a se pôr. Babás recolhem, com olhar displicente, os carrinhos e as crianças. Um homem senta-se a seu lado. Oferece um cigarro. Quer puxar assunto. Ela se nega. Tudo o que menos quer é ouvir falar em um deus agora. Ainda mais de um deus a quem ela tem que pagar para acreditar. Usar oferta de cigarro para se introduzir uma tentativa de conversão foi golpe baixo demais. Levanta-se, planeja voltar ao apartamento. Quem sabe qual foi a reação dele depois da conversa? Terá feito as malas? Estará à sua espera de joelhos, com um maço de flores silvestres, as únicas que consegue roubar da frente do palácio municipal, na mão, suplicando para que tentem tudo outra vez? Toma uma rua que sabe que não vai dar no prédio. Quer demorar a chegar. Pensa em queimar todas as poesias, as suas e as dadas por ele. A razão estava com ela, nunca o idolatrara em demasia. Seus comentários eram polidos, pouco efusivos ainda que reconhecesse que eram freqüentes. Ele por outro lado mostrava-se pouco interessado em qualquer coisa ligada a ela. Achara sempre que era por seu caráter reservado. Até que veio à tona, ele estava nessa porque se sentia bem, endeusado pelos comentários dela. Ele não se propunha a retribuir. Entra em um restaurante para pedir um café. Lembra do vídeo do Depeche Mode, aquele com o carro a andar em marcha à ré e o motorista, com a cabeça coberta, não pode fazer nada. Talvez descreva bem a situação porque talvez nada vá mudar, ainda que ela tente. Desiste do café e pede um conhaque. Tira um bloquinho da bolsa, sempre o tivera ali preparado para estes casos. Põe-se a escrever graficorragicamente. Com uma fúria que os gregos atribuiriam à força dos oráculos. Não necessariamente sobre o que estava vivendo ou sobre o que queria que acontecesse. Escreve e se resigna a fazê-lo. Mais um conhaque, por favor. Já trago. É um poema porque está em versos. O mais longo que já fizera. Paga a conta. Vai para casa com a impressão de que o poema, muito longo e muito confessional, está inacabado. Concisão nunca fora o forte de nenhum dos dois, eram poetas, em suma. Chega a sua rua ruminando decisões que deveria ter tomado para que soubesse lidar com o que vem justo agora. Cumprimenta o dono daquela loja de vinhos ao lado da entrada de seu prédio, compra um jornal e sobe.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

La persistencia de la memoria



O inconsciente está do lado de fora
Esperando para agir,
não ordena, aguarda
Pois se sabe mais sabedor que outros
Me aflige sabê-lo ali espreitando
Evitando precipitar-se
Evitando enrolação eterna
Antecipando cada retirada
Cada aceno
E cada olhar curioso meu

Inconsciente é o campo em que ajo
De minhas possibilidades provedor
E Ésquilo quando jogou isso na minha cara
Não queria ofender
Parece ser elogioso perder as rédeas da arte
Ou ser por elas levado
Pelo menos é um campo sem deus
Que tolha meus movimentos para
Conter aqueles relógios derretendo
Pendurados em árvores
Contra um céu que devaneia
Junto às rochas escarpadas

A culpa (pt. II)

Lembra daquela primeira flor que você me deu?
Aquela ridícula?
Nunca disse isso
Seu esgar de desdém te entregou
Para de desviar o assunto. Quero dizer que há poesia não-verbal
Oh! Descobriu a roda
Há poesia não traduzível em palavras e eu e você sabemos que não precisa ser só como demonstração de amor
Tinha esquecido. É claro que você tem que jogar seus superiores conhecimentos de poesia sobre mim
Você me teve preocupada hoje, saiu a esmo. Ainda bem que eu adivinhei que você não ia longe. Por que fez isso?
Não me subestime eu iria longe se quisesse. E você está errada em acreditar que eu faço as coisas para te deixar preocupada
Não deturpe minhas palavras
Desde quando se importa?
Li poesias suas hoje de que gostei
Repito minha pergunta
Não seja infantil, repito a minha: Por que fez isso?
Olha só. Presta atenção no que eu vou dizer
Ahn
Lembra daquela cena daquele filme do Robert Rodríguez em que o atendente daquela lojinha pula em chamas de detrás do balcão e tenta alvejar o Clooney e o Tarantino?
Nem sei como somos poetas, nossas metáforas são péssimas. Aonde quer chegar?
Sem críticas. Não é bom momento para isso
Quick and to the pointless, por favor
Eu sempre vi nossa relação como eu sendo aquele cara pegando fogo e você a única piromaníaca apta a gostar do que sou
Quanto você já não deve ter bebido para estar pensando nisso?
A culpa é sua se o objeto em chamas não tem admiração pela pessoa que o acendeu
Isso é outra metáfora?
Não, é o que acontece conosco
Você quer dizer que eu gosto mais de você que você de mim e nossa relação se funda nisso?
Não
O que quer dizer então, porra
O fogo é minha vaidade, não consigo te admirar como poeta como você me admira. Mais ainda agora que eu me dei conta de que você escreve justo como eu queria escrever
Você é um convencido, então
Sempre falhei em retribuir o que você sempre me deu
O problema é seu se suas falhas de auto-estima te impedem de gostar de mim como mereço
Já estou mal o suficiente com isso
Aprenda a lidar conosco
Tudo sou eu mesmo, você me acostumar mal tem nenhuma influência?
Nunca fui tratada como queria e sempre relevei tudo. E isso em nome de quê?
Quando foi que te obriguei a alguma coisa?
Mudando o assunto de novo
Juramos sinceridade antes de tudo
Mais essa agora. Juramos
Por isso mesmo não posso prometer mudar, é possível que prometa tentar mudar
Para quê? Se no final eu acabo fazendo tudo pelos dois, pela poesia como você gostava de sussurrar ao meu ouvido
Você sabe que eu não me sinto à vontade com essa história de dualismo
Precisava mesmo fazer uma referência ininteligível a um poema meu? Desenvolva
Dualismo me diz que somos diferentes, você já está nos tratando como se fôssemos dois, isso não é bom
Bom saber, e por que não fez nada nunca para manter uma unidade?
Prometo tentar
Agora que tudo já ruiu por uma loucura sua? Você é pior quando tenta mentir para mim
Não estou mentindo, quero remediar algo que estraguei. Prometo tentar
Desnecessário. Depois daqui, já não há o que se possa fazer
E?
Eu me nego a continuar mantendo tudo sozinha. Como pelo visto você tampouco vai fazer nada, acho que ficamos por aqui
Quer dizer que a minha descoberta, elogiosa, de que você escreve melhor que eu vai acarretar um desfecho trágico
Houvesse pensado nisso antes, e o desfecho só é trágico para você
Me odeie então, recuso o desfecho
E vai fazer o quê?

A day in the life (cont.)

Ela crava seus olhos nos dele. Oferece a certeza de que permanecerão assim pelos próximos segundos ou décadas. Enlaça-o entre seus braços. O beijo pelo menos ainda tem gosto, cigarro e vinho, traz à mente dele um perfume antigo, inebriante como as ondas de hesitação, euforia e ânsia que ela lhe transmite agora via oral. Não estão preparados ainda para desviar o olhar. O olfato está ausente, ambos fumam, um por causa do outro, há tempo demais para se preocupar com cheiros. Existe certo equilíbrio plástico na cena. A porta aberta sugere algo. Ele busca soltar o cabelo dela enquanto tenta ler um sorriso perdido no canto da boca, relegado à obscuridade ao durar o beijo. Parecem brigar por almejarem a antropofagia, tamanha é a voracidade e a sisudez que empregam em se encarar e em se explorar com o que resta de mãos livres. Sôfregos suam. Ele acaricia os cabelos soltos, bem pouco mais grossos, que brotam da nuca em locais esparsos. Ela se desvencilha a contra-gosto. Sugere que bebam e senta-se à beira da cama impregnada de cheiros de uísque e tabaco. Cruza as pernas deixando a mostra o vermelho roído das unhas dos pés. Apóia o copo no colchão. Afetando irritação prende os cabelos. Ele dá um sorriso contra-feito que pensa explicar e desculpar tudo para sempre a que ela retribui com olhar sarcástico. Ele senta também na cama e com isso derruba no chão o copo que estava apoiado apenas. Ela ri, diz que só tem dois copos e é bem pouco cavalheiresco a mulher partilhar do do homem. Ainda falham em evitar o olhar do outro. Serve-se. Ao fundo, Sus ojos se cerraron.

domingo, 18 de outubro de 2009

Only a southern song


Flatter to deceive:


to give the appearance of being better than the true situation
Cambridge Dictionary



Ele comprou um Zippo para o amigo (clássico, alumínio). Ignorava se ele fumava ainda ou não. Era inconstante nessas coisas e o número de cigarros era proporcional ao número de dias sem ver uma pessoa. Quem sabe ele não sabe fazer aqueles truques com as chamas e com a tampinha? Parece ter gostado. 
O amigo contando que quando foi testar o Zippo pela primeira vez, estava à janela e um vento alongou a labareda. Chamuscou a cortina, impregnando um cheiro desagradável. Teve de usar um livro, objeto mais à mão, para coibir o fogo. Conta isso rindo, perguntando se pode gravar com a chave uma caveira pirata na guitarra nova (Fender, Strat) e se desculpando por ter trincado num ponto o verniz da guitarra, quem sabe se não trincou a madeira também. Desgraçado. Disfarça a frustração com um sorriso.
Conta isso rindo, dizendo que não percebera quando acontecera, não a vira bater em nada. O rasgo está ali e inexiste conserto. Ele comprou em um dia mais roupa do que comprar em toda a vida. O isqueiro e cosméticos comestíveis. O amigo fará bom uso, pode se dedicar a queimar guitarras, à la Hendrix in Monterrey. A namorada não se sabe ainda, falhou em achar o que ela pedira.


sábado, 17 de outubro de 2009

A day in the life

And once again the monster speaks
Debonair - Afghan Whigs


Tiro os óculos e tiro o Scott Walker da vitrola, já é a terceira ou quarta vez que ele está cantando Seventh Seal esta noite. Trago fumaça e repouso o cigarro no isqueiro. A máquina de escrever deu um problema na correia e há algo a ser escrito. Ligo para ela porque se estiver acordada pode me alentar neste momento quase difícil em que estou ficando sem cigarros. O vinho já terminou há tempos, uma perda menor. O telefone dela não atende. Deve estar acordada, afinal dormir muito é para os fracos. Deito-me sobre o tapete puído, encaro o teto. Há uma mancha de infiltração perto da luminária. Impressão minha ou está aumentando? No prédio em frente ao meu há dois apartamentos com luz acesa, mas não vejo nada além disso. A cidade tem uns barulhos que são particulares a esta hora da noite. Me agrada saber que por muito só que esteja, uma vida pulsa dentro do emaranhado de postes acesos, portas fechadas e motos ocasionais se afastando. É boa essa solidão dentro da multidão. Gostaria de ver as reprises na televisão agora, se não a tivesse vendido há um tempo. Grupos de adolescentes passam em arruaça na calçada catorze andares abaixo de minha janela. Gritam, me exasperam. Hesito em retirar o Nabokov da estante e lembro da história, quando Harvard quis que ele lecionasse russo sob o argumento de que ele era ótimo escritor tanto em russo quanto em inglês, Jakobson se opôs retrucando que seria como chamar um elefante para dar aulas de zoologia. Ela me liga. Eu sei que é ela porque sei que ela sabe que eu sou o único que ligaria àquela hora. Me recuso a atender. Falta-me sono, mas falta-me também disposição para manter a conversa que viria. Uma mulher começa a gritar em algum lugar. Percebo que é no apartamento logo abaixo do meu. Já há uns cinco minutos que ela está gritando e percebi agora apenas. Me vem a sensação de que estive ouvindo o mesmo grito já há algum tempo. Ignoro o grito. Resolvo descer e tentar obter vinho no bar que há aqui perto. O elevador está pior que o do Pedro Juan Gutiérrez, não funciona desde que eu vim morar aqui. A opção pela escada é compulsória. Um certo alvoroço no andar da mulher que grita me diz que algo pode ter ido errado ali. Gente tentando arrombar a porta e um burburinho. Pelo menos oito pessoas, todas acima de oitenta anos; quase todas mulheres, tentam forçar a porta e gritando o nome da aflita falham. Desço mais um lance de escada, pensando em Raskolnikov, eu poderia ter matado aquela mulher e saindo aproveitando um descuido dos pintores. Quem me dera tê-lo feito. O grito já me perturba. É bom descer um pouco e com a garrafa de vinho espairecer. Tomar o sereno desta cidade que é mais acolhedora quando vazia. Abra a porta do prédio e duas prostitutas novas ali vêm falar comigo. Recuso-me a dar dinheiro e nesta hora sexo e anfetaminas são o que menos procuro. Elas saem fingido estar contrariadas. Compro o vinho, pois o bar estava aberto. O senhor que atende me joga um olhar complacente. Dono de bar toda a vida, era fácil para ele saber como é precisar de vinho na madrugada e como é desesperador não obtê-lo. Ele sorri e pergunta de futebol. Quero sair dali aquele bar é personalista demais, com aquela foto dos filhos ou netos atrás do vidro do caixa. Saio vagando a esmo e quanto mais me perco mais me vejo perto do meu próprio prédio. Estou considerando ir andando ao apartamento dela. Ouço o grito se aproximando de mim. É difícil acreditar que estou paranóico. Ouço o baque surdo enquanto tento tirar com a mão a rolha do vinho. Sempre esqueço de sair para caminhar com um saca-rolhas. É o corpo. A mulher se precipitou da janela. Engraçado como cair de um prédio não machuca a pessoa. Vi apenas algumas escoriações no rosto. A posição em que ficaria tinha seu quê de cômico. Uma massa informe unânime. Ouço a multidão atroando escadas abaixo. Em breve tomarão a calçada. Entro por um beco para que não me vejam e me decido. Irei vê-la. O fato de estar ali presencialmente a impedirá de recusar minha presença. Não será como ao telefone. As partes movimentadas da cidade de dia são as menos habitadas à noite. Esqueci de comprar cigarros. Paro naquela pizzaria vinte e quatro horas e compro um maço e uma caixa de fósforos. Compro um bombom para ela, apesar dela se mostrar reticente em aceitar presentes, quer se fazer de difícil incorruptível. É incrível como as cigarras não param de serrar nem de madrugada. A cidade está infestada de pequenos besouros que pulam na jugular da pessoa também. Esses eu mato chutando. Derrubo um e vários me atacam. O frio está longe de os incomodar. Um homem com uma jaqueta me pede que acenda um cigarro para ele. Um homem dentro do carro e pergunta se estou indo para a igreja e me oferece uma carona. Três mulheres barbadas me assediam ao mesmo tempo, querendo que eu lhes vendesse cocaína. Não pode haver más intenções depois das três da manhã. As pessoas querem se ajudar. Ouço música alta ao longe que parece ser rock 'n roll de hoje em dia. Evito aquela direção. E tomo uma rua que tomba para a direita. Três guinadas depois, chego ao prédio. O zelador me interpela. O interfone está quebrado. Subo de uma vez e toca a campainha. Ela abre a porta de robe, está fumando um cigarro também. Tenho certeza de que ela sabia que eu viria, pois na mesa estão postos dois copos daqueles pequenos e uma garrafa ainda fechada de Jack Daniels, ao fundo toca Gardel: El dia que me quieras.

Locus Amoenus

Sentados em um banco de praça desfiam confissões convencidos de que a sinceridade é o melhor de que dispõem. A sinceridade por palavras é melhor traduzida, quase desmentida, por sinceridade dos rostos. Mais de um afago verbal foi desmascarado por uma expressão. Os dois faziam isso, mas era mais frequente com ela isso de se trair. Somos melhor amigos é o tema e há pouco consenso, pois usam a palavra gostar em acepções diferentes. O tempo não passa enquanto vai escurecendo e há um sorriso (específico, não-corriqueiro) que paira ali. Não é presunçoso dizer que paira nos dois. Uma satisfação gerada por uma tensão que percorre os olhares. Tensão gerada  por escritos quase confessionais demais pousados entre os dedos. Desfiam histórias de sempre e de nunca que embebem o interlocutor, a ele principalmente. Ela notou que ele cortara o cabelo, ele notou que ela vestia pela primeira vez um shortinho. Conversam de poesia porque isso os juntara, conversam de todo o resto porque isso hoje os junta. Falam da efemeridade de esmaltes e de besouros.  Um momento diáfano que um dos dois ou os dois quer perpetuar e proteger dos postes que acendem. Tudo é puro por mais que descarreguem algo fortíssimo que os une. Tudo são clichês porque tudo é novo e inspirador para um e para outro.

De um desvario desvio

O dia sorri sarcástico
Para mim
Um filme diria que é deus com sua lupa
Vendo-nos, formiguinhas,
Contorcer-nos
Se saio à rua e grito e armo
Um escarcéu porque estou feliz
Outros me olharão acusatoriamente
Esse aí bebeu demais ou
Está amando, pobre tolo
O dia está me dizendo vá lá
Beba demais
Ame-a
Baudelaire já fez poesias sobre isso
Sacuda os ombros das pessoas
Inocule poesia em suas veias
Caquéticas
Vinho a todos e
Amor aos que o suportem

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Haicai Head Held High

A vejo passando
Com um olhar desdizendo
Tínhamos que ser

A culpa

Ele soube e por isso se condoía, queria negar. Se estavam juntos por algum motivo, se havia algo mais ou menos estável para ser celebrado naquele dia, era porque havia uma admiração implícita em tudo o que faziam. Ela o incentivava, revisava, elogiava; gostava dele porque, segundo ela, era o melhor poeta que ela já havia lido.  Descobriu que, na verdade, o contrário acontecia e era um problema. A primeira vez que se falaram foi sobre poesia. As conversas antes e depois do sexo eram entremeadas por poesias, mais de uma noite já fora arruinada por um verso mal-posicionado. Vinham se aprimorando e tentavam agora caminhar olhando nos olhos um do outro e declamando. Tropeçava-se um pouco, mas era necessário. Não é difícil perceber que este era o leitmotiv da junção destas duas pessoas, nada de assomos líricos instantâneos, almejavam à poesia integral. No começo, bem no comecinho, ele não soubera que ela escrevia também. A relação centrou-se na produção dele, elogiadíssima por ela, o que o fazia se sentir muito bem em relação a ser poeta. Um dia em um café surgiu uma caderno onde ela passava a limpo todas as poesias, gerando nele um outro tipo de interesse. A fase de agora era problemática. Se tudo surgiu de um interesse dela pela poesia dele, a constatação de que ela escrevia não melhor, mas de um jeito que ele queria escrever, era avassaladora. Seus versos analíticos, descritivos, comedidos ansiavam e suplicavam por ser escritos na forma dela, personalista desmesurada, num desvario único e indisciplinado. Não era difícil associar as diferenças na escrita a diferenças de personalidade, ele monótono, ela passional desvairada. Incomodava saber que se ela gostava dele, ele não retribuía a altura. Se ela o fazia querer cada vez mais ser poeta, ele negligenciava a produção dela. Estava embaraçado, devia valorizá-la ou ela gostava de tudo desta maneira? A admiração da poesia dele era a clef de voûte da catedral que haviam construído dentro daquele apartamento minúsculo que alugaram, sem ela tudo ruiría. Estava prestes a ruir mesmo. No dia em que percebeu que gostava mais da poesia de outro que da sua própria, ele que sempre fora orgulhoso, começou a achar defeitos desagradáveis nela, saiu de casa. Sentado no bar na esquina do quarteirão pede um uísque de milho e compra uma carteira dos cigarros de sempre. Não sabe se volta à catedral, já profanara todo o sentido de sagrado que ele lhe dava. Vem à mente o conto do Fonseca onde a mulher vive com um escritor por quem é apaixonada e modifica todo o livro que ele lhe dita, transformando na obra-prima que não era antes. O escritor, é claro, só descobre isso depois da morte da mulher. Pede mais uma dose e acende outro cigarro, talvez peça uns torresmos, mas não sabe se é lá muito poético. Se recusa a entabular conversa com o garçom, fecha-lhe a cara. A vê na porta do bar com uma expressão exigente de uma explicação, ela vem senta-se à mesa com ele e pergunta.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Jograis vs. Ombudskvinnas

Are you under the impression this isn't your life?
Wilco (the song)


Dias com menos sentidos
Menos motivos
Para se sentir movido

Solto por inércia num vazio
Evitando algo
Tomo um desvio
Quero um fim,
Não sei lidar com o meio
O alívio
Da superação da travessia
Trocar o ontem idílico e o
Amanhã sacripanta
Pelo hoje como for
Realizado

Findo um sim mútuo
Um tempo em que não (se) soube
Juntar os pedaços de cacos
de estilhaços promissores


Impassíveis perscrutam um o rosto do outro

Inconcretude da possibilidade
Concretude da impossibilidade
Impossibilidade dá concretude
Concretude é impossibilidade

Esqueci minha senha

Jaz subliminar uma memória
Que não evoco porque quero
Falho em mentalizá-la concreta,
Mas a sei no meu subconsciente
Pois sua silhueta se insinua em
Tudo o que faço

Há uma metáfora que perdura
E não traduzo aqui
Não sei se um sorriso, um olhar
Uma frase, um gesto
Rege-a príncipio de incerteza
Que tampouco confirmo existir.

Contrariando expectativas
Confirmando hesitações e temores
Opera-se um afastamento gradual:
Indesejado, trará alívio
Falhei em
Querer poder demitir a inspiração

Em prol da sanidade
Agora põe-se tudo a perder
Em nome do que já foi

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Be your own PET

...as puzzled as a newborn child
Tim Buckley - Song to the siren




Já que o mundo é uma garrafa:

O que sinto é o ar que a circunda
O que sei é o ar que a preenche
Porque 
Plástico é o que ignoro
A diferença de pressão entre o de fora
E o de dentro aplicada
Deforma onde habito

Silente aguardando
Um sorriso

sábado, 10 de outubro de 2009

Suspiros Soviéticos

Os campos vastos de centeio inculto,
Pinheiros e lagos de superfície rígida
São um espinho que me fere
A alma
Florestas robustas como as mulheres
Da terra, cujos rostos ruborosos
Lembram
O por-do-sol sangrento deste

Vasto Cáucaso
Fértil terra de meus ancestrais
Seus montes ressoam à luz
Da lua dos lobos
Ó tártaro deserto infinito, inferno
                                               [romano

Os vales e as colinas já não mais abrigam
Recordações dos tempos
De jogos entre os juncos
Dos pântanos
Em rompantes me vens à mente
Bosques que crepitaram
Sob meus pés já não existem

São memória morta como
A lenha do fogo extinto de
Minha choupana

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Proporção

Tempo -------> Ampulheta
Matéria ------> Espelho
Fatos   ------> Poesia
Mentira ------> Jornais
Falácia ------> Deus
Silogismo --> Prosa
Pareidolia --> Arte


Nada ---------> Vida
Tudo ---------> Vácuo
Algo ----------> Nada
Luísa --------> Presunção

Até aqui nos ajudou a gloriosa Isabella Carrazza, em querendo completar deixe sugestões nos comentários e eu vou agregando


Tríptico náutico

À deriva
Pervago um oceano
De certezas

Sem terras firmes, ancoradouros
Com as velas cortadas
E amarras roídas

Ela me deixa, dizendo:
É doce morrer no mar,
Corpo às intempéries

Meu trirreme ruiu
No caminho entre Tiro
E Trípoli

Uma tempestade
Quebrou o timão
E jogou o servente

Do cesto da gávea
A culpo por não salvar
o barco ou salvar a mim

Mantendo-me aprisionado
À grande planície azul
A seu bel-prazer

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Pray for the locust

Uma folha cai
Com o menor ruído
Discreta sem alarido
Como num haicai

Como nua cai
O sono a arranca da noite
A põe em outro dia

Em suspensão se esvai
Num lapso não apto, num açoite
Desmantelando harmonia

Rompe o compasso havido,
Fora-de-si, vai
Arguta subtrai-se
Tendo uma folha sido

Como lua sai
À caçada fazendo corte
Às outras em agonia

As escamas de um samurai
A espada, pecíolo comprido
Um êxtase presidido
Por um harakiri a mais

Primícia

Meus dedos gastos
Cheirando a cigarro
Dedilham ao bandoneón
Um fado
Inefável traz
Ansiada boca e sorriso
Afastando-se não verbal
Tacitamente
Discordo e desaprovo
Tento retomá-los
Sem saber por onde
Terminar de fazê-lo

Aos Plantagenetas

The nobility of England, My Lord, would have snored through the Sermon on the Mount
Thomas More (A man for all seasons)

À Isabella, meu bubu


E sonhei e gritei
Eu plebeu
Disfarçado de rei
Parlamentarista

Obedeço, como plebeu,
A uma voz
E mando construírem um sonho
Mas não governo as
Obras
Que acabam parando,
Sendo implodidas

Irascível puno e sou punido
Pelo embargo onírico

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Para a Júlia motorista

O primeiro onipotente dia
Dela como motorista
Coincidiu com um meu dia
Comum insuperável que não termina
Choque de sensibilidades
De final de jornada
Quando a alma já está cansada do corpo

Me buzinou duas vezes como
Fizeram com ela
Eu que não tinha nada a ver e
Tudo para superar de desgaste

Tierra Adentro

Minha bússola indica urgência
E aponta entre dois polos
Desdém e proximidade
Me é difícil
Escolher pois a variação é aleatória
O que sinto me impede
De desconfiar de suas verdades
Singular orientação
Me impõe desvairadas
Desconfianças sobre para onde seguir
Entre um sul que anima
E me exaspera pela felicidade que promete
E um norte que desde já me desengana
Promete hesitação, o que me agradaria
No longo prazo
Se tivesse de lutar para obtê-la

Um dia comporta sempre variações
No rumo
Que não planejo ou desejo
Mas que é impingido
Àqueles que se aventuram num mar
Incerto porque prometedor
De paz, e delicioso porque prometedor
De guerras

sábado, 3 de outubro de 2009

Pareidolia

Somos duas paredes brancas
Cuja sincronia&espontaneidade
Impede a procura de caminhos
Há trilhos invisíveis que nos impelem
Aonde queremos ir sem
avaliar a proximidade ou
A lonjura da colisão
Combinamos num sussurro
Sem saber
Descarrilar e tomar o mesmo rumo
Ou quebrar um farol e
Parar de escrever

Mentira, ferrovia não é
Camisa-de-força
Faz o que se quer
Feito
Mas ao mesmo tempo e
Olhando nos olhos para não perder o ritmo

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

ArgumentumOrnithologicum

Os pássaros de Borges voam
De uma árvore de possibilidades
São contáveis por um deus que se disponha a fazê-lo
Um homem, em suma, que ao desenhar o universo 
Esteve sempre desenhando a si mesmo 
Não a/há um deus
Porque não há necessidade de contar os pássaros 
Desta ou de qualquer outra árvore
E cada desenho de cada universo
É pessoal e intransferivelmente não
Hierarquizado
Não pode haver Um deus pelo motivo de
Dois espelhos gerarem
Infinitos outros e dois universos
Gerarem infinitos outros que, na verdade,
São os dois originais e intocados
Que, levados a nocaute,
Se fundem.

Oscuro

Quando a sombra se introduz
Pela fresta de uma janela
Percorre alguns corredores
E me atinge em gradações
Até então impensadas
A interpelo quanto a suas intenções

Não se resigna ao lugar de
Oposta à luz
E persegue a vários
Indignada em ter de atrelar-se
A apenas o que ela permite
Ou proíbe, simultaneamente

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Primeiro poema em segunda pessoa

Ut em latim é um indicativo de forma
O nosso "como" ou "de forma"

Tu, em português, és indicativo de:
Dúvida
Arrogância
Vontade
Singularidade, em suma

E por ser o contrário de ut é fácil
pensar, ut retro, que Tu és um indicativo
de conteúdo
Controvertido

Imagética do dia em que não a vi

Reluto em querer ouvir outros falar de outros
Não quero falar de mim para outros
Nem dela para outros com relação a mim
Com ela de mim ou de outros tampouco
Não consigo sem ela ou com
Nem comigo dela
Nem sem ela com outros
Mas com ela sem outros
Olhares e sentires e falares
Trocas singelas e arroubos

Quero saber como, se é verdadeiro o que sinto,
pode ser falso o que escrevo
e com o que lido?
Duvido da capacidade, sendo falso com o que lido e
O que sinto,
De minha escrita de consertar isso
Sempre me fazendo hesitar
Sai triunfante por conseguir

Não há uma imagem mais correta [e
                                         fria e superficial]
Que a de um espelho e a de um suspiro
Ouvir o que têm a dizer
Não apaga a predisposição a que
Sua voz ao telefone seja
Metonímia de sua figura
-Embora não preencha sua
Ausência- e não substitua
A tendência a me preterir
Em benefício de minhas hesitações

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Elegia Pré-Adamista

A enxergo como quero.
Por leitura labial
a reflito/refuto/repito/
conflito/contemplo/contra
exemplo/comparo/
preparo/prenuncio/reparo

'Tis not about setting traditions
up for the smiles are unpredictable
unsteady; they don't assure my life
They mock me instead

A primeira vez que, sozinho,
Cheguei ao Rio de Janeiro
Me assalta quando os leio
Contraídos, descontraidamente
Genéricos, enigmaticamente
Exortando a trabalhos

São sinceros e claros
Boca-do-inferno revisited
Não se compara à
Torrente, a plaquinha é
desnecessária. Tudo tem
um significado.
Resta decifrar.

Poesia fraca em momento desesperado

Morfeu me largou para ver se eu morria
Sarcástico
me marcou com olheiras e
Tirou minhas noites
Assim eu poderia pensar nele e nela
Com mais calma e por mais tempo

Queria ser deixado em paz
Às portas da morte tranquilo
Aceitando

Às portas da noite deitar e dormir apenas
Sem pensar Em morrer, Em acordar
em saber, em maiúsculas

Às portas do mundo esperando poder
Entrar

Às portas da poesia esperando poder sair

À beira de um ataque
Coração
Sono
Nervos
Pânico
Sentimentalismo


Meu cérebro escorre
E eu struggle para manter os olhos abertos, não piscar em reverência
Senão pereço de vez na tentativa

domingo, 27 de setembro de 2009

Trova para aquela de quem dissinto

A cabeça treme
E oscila em
Dúvida - um zunido
Zurra em meu crânio
E não é
A poesia pedindo
De joelhos para
Ser escrita

Tenho pensado muito
Nela, mas o
Zumbido me atrapalha
A visualizo minha
Na ponta dos
Dedos e da
Língua

Tateio e não
Alcanço, ela tateia?
Não, sequer rastreio
Esta possibilidade
Mas anseio por
Um avanço iníquo
Que traga à tona
A verdade

sábado, 26 de setembro de 2009

Fumígeros

Um acorde destoa dos outros
Hábitos de sempre, que agora tremem
Ante a presença deste novo
mais expressivo que, dominante,
Afoga os antigos em obscuridade de que
Tentam sair
Afogam o recém em proeminência
Mais expressiva que a dominante
Ante a presença deste novo
Hábito de nunca que agora impõe
Um acorde que destoa dos outros

One way or another

Minha poesia - assim como eu -
Precisa de óculos
Que guardem não a distância,
Mas a proporção entre tudo e nada

Feita tortuosa e fora de horas
A recolho no ar, se
Vítima de um desajuste meu
Me vitima Com golpes cegos
De baques surdos
Faz perder o foco do que não é
Abrangido por um sentimento meu

Só tenho tido um sentimento
E um acorde palavroso, despro-
porcional para ele

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Baker tweet faulkneriana

A god in progress
Fulfills its purpose
While in process
Neglects its project
He beats it, Moses
As the chosen
One bakes old
Buns in the oven
Shakes his hips
Just as they've spoken
When looking for a noun
To rhyme over and over

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Poema bórgico que deve sua eficácia à pontuação

Toca a campainha e sai correndo
Não quer vê-lo, chorá-lo ou rí-lo
Arrependida não olha atrás
Para não lembrar do erro crasso
A culpa é sua e quer dizê-lo afagando seu rosto
Sentindo na palma da mão as lágrimas quentes
Sulcarem-no
Não existe coragem de encará-lo esse momento
Ainda que devesse reconhecer
Que trocar acusações aos gritos por telefone
É pior

Quer que lhe acaricie o rosto e sinta a felicidade
Que não consegue traduzir, palpitar
Nas polpas de seus dedos
Almeja gritar
De alegria
De exultação pelo que seja,
De medo, angústia e paixão misturados
Mas não quer que ele parta
Quer a ouça, quer não
Quer sabê-lo ali para ela e seus gritos
E quer sabê-lo sabendo dela ali
Para seus desvarios e estertores fingidos

Corre porque teme qualquer reação
Mesmo a desejada
Fora uma tarde maravilhosa
E se ele achasse que foi só isso?
E se ele achasse que não valia a pena insistir em nada nunca?
Ledo engano, fora mais e ela sabia
Um sorriso e um gosto que ele deixara em sua boca lhe diziam
Que ele concordaria

Não como submissão,
Mas como constatação inevitável
Se discordasse, acabava ali tudo
Tanto o que viera buscar
Como o que viera trazer
Tinha esperanças, entenderia

Não obstante, corria ansiosa, temendo o mundo
Que só ele podia proporcionar

Brasília II

Brasília é o céu de pernas abertas
Esperando concreto que a penetre

Virgem insólita largada no meio do deserto
Pedindo carona às tábuas de argamassa que a
defloram

Geme e rodopia sozinha, acompanhada e satisfeita
Ao som de Tom Jobim em versão maracatu
Música daquela primeira vez

Não houve dor, não houve gozo
Houve o sim da descoberta

Dos muitos que a tentaram, mas não conseguiram
Dar ainda um filho

Será que é infértil?
Não, é só uma fase e passa

sábado, 19 de setembro de 2009

Took my baby away

Y cual es el nombre de usted?
Crix Crax Crux
Esto no es nombre qué se le dé a una persona. Está descumpliendo las leyes, no se puede hacer camping en este sítio.
Es una rebelión existencial en contra la opressión de la Babilónia, tio. Qué sentido habría en pedir permiso a alguién?
Usted ha violado el artículo veinte y cinco del código ciudadano:
Ningún ciudadano puede establecer su vivienda a menos de diez metros de la vivienda de otra persona.
Y me parece que tiene perros ahí, no? Viola por lo tanto también el artículo ciento once:
Ningún ciudadano puede quedarse más de dos minutos a menos de trés metros de otro ciudadano o ser.
Es una revuelta que propongo aqui, camarada. No hay cómo volver en lo que está hecho. Me importa un carajo lo que pase, de aquí no me voy hasta ver completada la destrucción de los opresores.
Señor Crix Crax Crux, vayase a vivir la revolución en otro lugar e lo suficientemente lejos de los ciudadanos amantes del orden. Ahora tengo que irme que ya llevo un minuto e cuarenta y siete segundos charlando y esto no puede ser bueno.
No se vaya, quédate un momento más. Hagamoslo juntos.
Ya veo que un revolucionário nunca dejará su puesto. Tengo qué arrestarle pero se me acaba el tiempo. Espera aquí un segundo a que me vaya a buscar las esposas. Así tendremos mas dos minutos para relacionarnos.
De aquí no me iré.
Ya vuelvo.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Tive algum

E houve esse dia em que percebeu que nunca a vira sorrir. O que não era motivo para desespero. Eu não sorrio nunca percebeu. Te achava normal até hoje. À mesa de um bar. Ambos com sono e sede. Seria momento perfeito para alguma explicação. Ansiava por isso. Ela encarava fixamente tentando perscrutar em vão alguns desígnios. Ele o mesmo. Traz mais uma por favor. Me passa o isqueiro. Mas você nunca tentou sorrir. Eu tentei uma vez quando minha mãe me deu o lordbyron de presente de aniversário. E conseguiu. Eu gosto muito do lordbyron. Lembrar como ele ia me arranhar toda e destruir meus móveis e livros me fez me abster de uma emoção mais incontida. Como você contém uma emoção incontida. Lembrando de como o gato arruinaria minha vida. Apesar de eu gostar muito dele. Nunca quis inconter uma emoção. Em especial alguma que te fizesse sorrir. Não. Você ficaria mais bonita. Eu não preciso ser bonita porque sei que idiotas como você morrem de amores por mim. Ficaria mais magra. E isso me faria morrer mais ainda de amores por você. Mentira. Você já morre muito de amores. Não é possível superar isso. E se eu te largar você sorri. Não. Por quê. Porque você não destruiu meus móveis e livros.
Houve um dia em que percebera que a resignação ante este fato era o único caminho. Com cócegas você ri. A última pessoa que me faz cócegas foi meu pai há mais de quinze anos. E já então eu não ria. Então tá. Faz-se um pacto. Você me dá um sorriso de leve e eu pago toda a conta. Minha reputação e dignidade não valem tão pouco. Valem. Muito você se engana. Então paga a conta sozinha. Eu não. Você bebeu tanto ou mais que eu. Mas você não quis me dar o sorrisinho. E daí. Que todos os problemas têm origem em você. Paga a conta logo e vamos embora de uma vez. Não. Só se você der o sorrisinho. Quer morar no bar agora então. A gente vai assim que você sorrir. Que insistente. Só por isso. Prepare-se para dormir aqui nesta mesa mesmo que eu vou indo embora.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Geoglifos

Com
Umente
De
Com
Por
A
Pararestas

Labirinto

 Às autoridades competentes e a quem possa vir a interessar,

Um método estrangeiro de tortura propugna que se encarcere o prisioneiro em uma sala onde não entre luz som ou calor. Isolado de qualquer influxo externo lhe ministrariam refeições a intervalos de tempo cada vez menores. Não percebendo por via biológica sua passagem o encarcerado passaria medí-lo por meio da únicareferênciade que dispõe: as refeições que toma. Crendo-as espaçadas por intervalos regulares e semelhantes aos da vida cotidiana, julgaria haver passado muitíssimo tempo por haverem passado muitíssimas refeições, quando na verdade o pontual controle destes intervalos permitiu que lhe dessem a impressão de haver passado anos preso, quando mal transcorreu uma semana. Alijado da noção de tempo seria fácil arrancar-lhe informações, tanto por seu desespero e fragilidade emocional quanto por um simples argumento que postularia haver a guerra acabado e com ela a necessidade de segredos entre os inimigos que teriam agora feito as pazes, chegado a um bom termo por via diplomática. Este segundo argumento é fraco e facilmente refutado por aqueles que nem no próprio país confiassem. Espiões duplos ou triplos não se veriam nada compelidos a entregar informações seja a quem assinava seu contra-cheque, se é que o sigilo lhe permitiria ter um, seja a quem o remunerava paralelamente. Parece ser que a grande estratégia divulgada pelos manuais de sobrevivência para eludir as intenções de torturadores tão especulativos quanto os que engendraram este prodígio filosófico seria infligir a si mesmo pequenos cortes e pelo tempo que demora a cicatrização, inváriavel por seguir ritmo biológico alheio a fatores exógenos, calcular o real intervalo entre refeições. Desbaratado o estrategema, bastaria ao auto-flagelador regular a própria alimentação podendo inclusive perder algum peso. Parece ser que o labirinto perfeito teria paredes forçosamente transparentes para privar o que tem a intenção de dele escapar da noção de espaço. A regra aqui nesse método tão engenhoso seria a mesma, com objetivo semelhante inclusive. Resta saber se o aplicaram corretamente alguma vez, e se sim, que resultados obtiveram-se.
Desponta, não obstante, a questão da aplicação prática de tal método. Não há dúvida de que os requisitos mínimos são um prisioneiro e uma sala que cumpra os critérios listados acima. Há, no entanto, questões não resolvidas. Quanto à qualidade da comida, subsiste a dúvida sobre se deve ser da melhor ou da pior. A melhor comida compeliria o cativo a comer mais e mais, sendo mais fácil empurrar-lhe comida a intervalos menores encurtando o processo o que como contra-partida acarretaria gastos imensos em itens supérfluos de alimentação - supõe-se ser desnecessário dizer que o prisioneiro deva ser encerrado isolado na cela; contato humano nenhum tornará o método mais eficaz - por outro lado ser a comida de baixa qualidade minaria a moral do preso fazendo-o contar tudo mais rápido. Os defensores desta vertente ignoram o fato de os soldados detentores de patentes mais rasas estarem amplamente acostumados à pior comida que o exército possa conseguir-lhes. Não obteriam, portanto confissões, argumentam os dissensores desta corrente que parece ser majoritária ignorando que este método é único e não serve para ser aplicado em soldados de baixa ou nenhuma patente. A escassez de salas tão bem isoladas quanto se requer, restringiria sua aplicação a casos especiais a serem julgados por uma comissão conjunta formada pela fina flor da corporação militar e da corporação sofista.
Quanto ao propalado método de contagem do tempo atrelada aos períodos de cicatrização da pele não há o que temer, a não ser que o preso seja masoquista, disposto a submeter-se a inúmeros cortes, o que providencialmente enfraqueceria mais ainda suas defesas psicológicas, não parece provável que algum preso recorra a este método. Não se lhes dá qualquer indicativo de qualquer coisa, se lhes ministra refeições apenas. Mesmo nos casos mais do que comprovados de capturados que se fazem passar por loucos é fácil coibir a utilização deste método fornecendo-lhes talheres, colheres preferencialmente, de plástico.
Não há, no entanto, - e muito especula-se a respeito na atual literatura - nos anais registro desta prática, conquanto a documentação acerca de outros métodos seja farta e conclusiva. Pode haver um medo subjacente, não necessariamente um apelo à moral e à humanidade no tratamento dos presos, mas um receio de que, se disseminada e incorporada à rotina tanto deste país quanto dos inimigos, esta prática podia levar à formação de um contingente bastante grande de pessoas menos aptas à vida comum que o pior dos mutilados. Nenhuma sequela física ou psicológica se equipararia do que a que aqui pode infligir-se. É, portanto, um medo quase transcendente da realidade física. Um medo da posta em prática de um método que só pode ajudar, que se não superado pode vir a solapar as bases da ordem e da moral desta nossa sociedade que desde sempre preza pelo exercício da razão e da soberania.

Um cidadão preocupado e consciente.

* Agradecimentos ao Thiago pelo apoio logístico.

Nascituros revêm

...a mais vistosa violeta velada da vila
Finnícius Revém - James Joyce



Espreita porta adentro
Sorri sorrateira para ninguém
Parece fingir não perceber

Entra e resolve

Olha de esguelha,
Parte e
Quero crer que se
Certificava de que

Nela imagino um sorriso mínimo
Infinito ínfimo
Condescendente irônico que
Quero crer que (h)ouve

Mas sim,
Sai triunfante
Por conseguir

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

De tábuas e canoas

 Ele se apaixonara por ela na primeira vez em que a vira fazer um movimento no ar para ativar o sensor de movimento que acendia as luzes do corredor.
Ela nunca se apaixonara, mas se excitava quando ele sussurava Proust em seu ouvido.
Como se por ondas a afeição alternasse entre um e outro, sobreviviam agarrados à tábua de palavras francesas que os ajudava a flutuar apenas. Estavam à deriva e não se amedrontavam, porque haviam escolhido. Não buscariam salvação nem por palavras, nem por atos, sentimentos ou pensamentos. Não queriam salvar-se nem por si mesmos, pois fazê-lo diluiria justamente o que os juntara. Ele sempre gostava de sussurar-lhe um clichê que ela achava ridículo demais e fazia questão de demonstrá-lo com seu ar blasé e seu sorriso desconfiado e ao mesmo tempo condescendente: Perdidos haviam se encontrado.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Nochevieja

Era perto de quatro da manhã e havia sons que nunca abandonavam o mundo a essa hora. Desde as dez perambulava em trajetos curtos e já sabia de cor o que veria neles. Só voltaria quando totalizasse vinte e dois reais, dos quais já tinha dezoito. A partir de certa hora, certas coisas ficam mais fáceis, enquanto outras ficam mais difíceis. Sente algum medo de que algum bêbado o agredisse de novo e tomasse seu dinheiro. Um vigia gira o chaveiro nos dedos e assovia uma música da novela. Nenhum bar fica mais aberto a esta hora, quando ficavam o escorraçavam. Uma vez fizeram mais e lhe bateram: merecera uma justificativa ao menos, fedia. Não se afastava muito da porta do mercado vinte e quatro horas. As pessoas que entravam lá, pelo menos as que não eram como ele, tinham dinheiro pra gastar, até pra desperdiçar se as comovesse o suficiente. Era melhor ter armado a barraca num lugar mais escondido, pra dentro dos bambus; os guris dão muita bandeira. Faria diferença se não voltasse ou não voltasse com os vinte e dois reais? Conseguiriam sem ele? Não, eram os fardos. A mulher era uma inútil que só queria ser bem-tratada, não cuidava dos filhos e não conseguia trabalhar em nada. Dos filhos era difícil lembrar o nome de todos de uma vez, eram muito parecidos porque sempre estavam com fome e fazendo barulho. Por que será que trepar uma vez significou ter de trabalhar pra outros pra sempre? A senhorinha se assusta com a abordagem e se desvencilha dele rapidinho. Nem dá tempo de contar a história ensaiada para levá-la às lágrimas. Porque será que os filhos não podiam fazer aquele trabalho? A barba está muito desgrenhada e ela e ele se separam bufando, cada um com suas razões. Mulher é mais provável de dar dinheiro, homem dá dinheiro quando quer se livrar logo e não é forte o suficiente para xingá-lo. Consegue setenta centavos de um casal que deve ir comprar camisinhas. Deve ter dado o troco por causa do alívio de não terem sido assaltados logo ao sair do carro. Estavam com cara de assustados. Está escorado numa barra de ferro onde acorrentam-se motos e vê um carro entrar muito rápido no estacionamento. Sai de dentro um homem de camisa regata e boné, trôpego e desacompanhado. Forte, sem dúvida, mas seu tempo de reação a esta altura deveria ser lentíssimo. Ignora três tentativas de abordagem e por fim cambaleante escora-se nele. Eu e minha família estamos acampados em um terreno aqui em baixo. Há três dias não temos o que comer e só volto pra lá com uma cesta básica. Já tenho dezoito reais e preciso de vinte e dois. Se o senhor achar que estou mentindo e quiser conferir a gente entra lá e compra juntos a cesta. O do boné está visivelmente alterado e há uma chance. É fácil perceber que tem dinheiro, tanto pelo tênis que usa quanto pela carteira que tira do bolso. Solta-se do apoio do outro para conseguir mais mobilidade. Abre a carteira para buscar alguma coisa, sem notar a existência do outro. Se pergunta se irá ajudá-lo. Está muito distraído vasculhando a carteira. Não hesita, dá-lhe um encontrão que ele não percebe de onde veio. O outro tão bêbado não esboça reação alguma ao cair no chão. A carteira que caíra a poucos metros é prontamente chutada longe. Uma mão grossa e afável o ajuda a levantar. Se incorpora dá uma gargalhada e entra no mercado. Olha debaixo de carros e não vê a carteira. Será que já a levaram. Não lembra o rumo que ela tomara quando a chutou. Caiu dentro de uma boca-de-lobo. Levanta com dificuldade a grade. Enfia a mão na massa viscosa e procura. A carteira caiu aberta dentro do bueiro e todo seu conteúdo está molhado e fedendo. Primeiro atira os documentos longe e os perde de vista porque caíram em algum lugar entre um carro e o meio-fio . Tira algumas notas do compartimento, não poderia usar os cartões sem ser detectado mesmo. As notas encharcadas se desfazem entre os dedos. Salva duas mais intactas, deterioradas mas melhores que as outras que não conseguiria passar adiante. Uma de cinco e uma de vinte reais. Tem agora quarenta e três reais e a frustração de não poder comprar duas cestas básicas, e isso que já tivera sonhos. Nenhum estabelecimento dá desconto a alguém vestido como ele. Tudo sai mais barato pra quem é rico e não é só porque eles tem mais dinheiro. Entra no mercado sob o olhar incrédulo do vigilante, já conhecia esse, ele sempre tinha cara de desconfiado. Vê o homem da carteira debruçado sobre carrinhos de compras, brincando de deslizar pelo chão liso do mercado. Bate contra uma gôndola, o som dos vidros se espatifando, quem sabe se encima dele, é engraçado. Está feliz de ter dinheiro. Vai comprar algo para si com os vinte e um reais que sobrarem. Sem saber como, antecipa-se a isto e já está na seção de queijos. Afinal de contas tem quarenta e três reais e isso o desobriga . Toma um queijo nas mãos e pela primeira vez não se importa com o preço que possa ter. Aproveita a doce indução a que submetem os clientes os mercados. Pega um vinho e para completar um charuto. Os charutos não estão à mostra, tem que abrir um armário protegido para buscá-lo. Chega no caixa sob o olhar condescendente da atendente, será que os quarenta e três reais que está prestes a gastar o tornam menos desgrenhado? O gerente olha desconfiado para ele quando retorna com os charutos. Não se importa sempre olharam assim mesmo, mas o mundo é dele agora. Paga tudo, sai do mercado. Hesita pois sempre pode voltar à barraca ou não.

sábado, 5 de setembro de 2009

Correio elegante e rude

Sont les mots qui vont tres bien ensemble


Por saber e não me esforçar
Em ser desajeitado
Tomar palavras erradas
Quando o que se quer dizer é simples
Seguir caminhos estranhos quando
O objetivo é tão palpável
E se quer dizer apenas o que cabe
Atingir um fim que não conheço
Mas já imagino perfeito

Telegrama versificado

Hesitou em pedir-lhe um cigarro. Lembrou-se de Teleco, o coelhinho. Não pediu. Achou melhor comprar. Ela disse que por qualquer moeda lhe daria um cigarro. Deixou intacto o fato de dá-lo ou não de graça. A conhecia de há pouco. Não queria precipitar essas coisas. Buscou o isqueiro na mochila. Com o cigarro na boca viu aquela que o aturdia entrar no banheiro. Devolveu o cigarro. Pediu-lhe que o guardasse por enquanto. Buscava evitar que o visse fumando. Falaria com ela que parecia haver desaparecido no banheiro. Atam por enquanto uma conversa sobre literatura inglesa. Ela lhe diz que ou fume o cigarro ou guarde o isqueiro. Aquilo dá a ela muita vontade de fumar. A deixa ansiosa. Ainda espera. A que o aturde não sai. A conversa se desenrola sobre um assunto batido sobre Henry Miller. Ela coloca o cigarro dele virado ao contrário no maço para distinguí-lo depois. Vai mandar por e-mail um excerto que chegara a decorar certa vez. Diz que mande. Que terá prazer em lê-lo. Não se sabe porque nesse momento não lhe dá o endereço do e-mail. Tenta matar o tempo desfiando amenidades literárias. Nada muito profundo. Gosta de debater estas questões. Se distrai e não a vê sair do banheiro. Quando se dá conta ela já está longe. Se afastando mais. Corre. Procura um assunto. Tem como me mandar um e-mail com as provas antigas. Você é um folgado. Não anota o e-mail dos monitores e depois eu tenho que perder meu tempo conversando com você. Não capta o tom. Dias depois se arrependeria de não ter respondido. Conversar comigo nunca é perda de tempo. Eu mando. Vai demorar um pouco. Eu tenho que verificar com as meninas se nós juntas temos todas as provas. Tudo bem. Vou anotar meu e-mail num pedaço de papel. Você me manda. Revira mais uma vez a mochila. Não tem nenhum papel aqui. Minha bolsa está numa sala aqui por perto. Eu poderia ir lá e pegar minha agenda. Não vou. Você já está mexendo na sua mochila mesmo. Achei. Não perca esse papel. Ele é precioso. Como eu iria perder um papel deste tamanho. Não esquece de me mandar. Tá bom. Tchau. Tchau. Lhe diz que seu isqueiro não está funcionando. Ela diz que use o seu. Falam agora de Ferlinghetti. Lhe dizem que saia. Não fume lá dentro. Ainda aturdido. Revolve tudo o que pôde dizer. E a vida prossegue de forma mais tortuosa que antes. Percebe que não entendeu nada. Que tem pouco a fazer nessas situações. Que ficar rememorando não ajuda.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Paralipse

Prosaico mora longe
Pega três ônibus para ir trabalhar
De contínuo
E não sai para beber cerveja com
Os colegas depois da jornada

Poesíaco habita escondido, sobe nas árvores
E tira fotos com detalhes fora de foco
De si, do outro, de seu
Mundo, dos outros mundos e
do mundo dos outros

Insólito quando trombam na rua
Um sem graça ajeita a lapela
Faz menção de seguir caminho
O outro o abraça e recolhe
Gentilmente a pasta que caíra

Não que o um seja rude,
Mas
Já haviam trombado outras vezes
E Poesíaco o desconcerta

Não que o outro seja assim tão afável,
Mas
Já tentara trombar com um na rua e
Falhara: Prosaico o aturde

domingo, 30 de agosto de 2009

Mavórcio ímpeto

Vi marte do tamanho da lua
Mancha de sangue na pele negra do céu
Sem estrelas, sangue bélico
Sem lua, a orbe enorme prevalece
Como uma chaga antiquíssima e
agora a descubro inflingida a mim
Ferida antiga em pele nova e sedenta
Grande e mais vistosa
Que os algodões nuvens que a combatem
e incessantes falham e sabem
Ao vê-la, em tudo semelhante a
um deus, pacificamente
Desvanecer

sábado, 29 de agosto de 2009

Penedos enovelados

Joga Ariadne fios para o infinito
Para caso me perca em suas voltas tristes
Se do sábio o ouvistes a isto consinto
Confutar espetáculo a que resistes

Tece o invisível caminho, não o recorta
E afasta a lembrança das asas de cera
O fugir do labirinto o seu preço cobra
Jamais, porém, engana à que amada espera

De sete em sete esperando à porta sim sabem
Já não tornarão ao leito como eu torno
O solitário mal pode esperar que marchem

Se abate sobre a fila, a ele rasgo
Com o gládio de sob a pedra ele imolo
Em hecatombe a tua linha e a teu traço.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Conluio postal

Com a janela me deparo
Aberta
[Cuja rua consiste
]Com [em]
O vento: sua,
Crua voz roufenha
Jaz nua enclausurado
Dois tapumes o restringem à
Lua

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Monoadesivo

Monoadesivo como se por velcros
Estivessem os símios colados
Uns aos outros e às latas de tinta

Ainda que tentem libertar-se
Agrilhoados por plásticos falham
As pontas dos dedos em rompê-los

O primeiro macaquinho tomba
Levanta verde e os outros riem
Do cilindro pregado às costas
e da tinta derramada

O que a ele está colado também ri
E aquele por mais forte o levanta e
O atira à poça porquer quer

É mais velho e mais pode
O outro resignado aos outros lança bolinhas
Que faz com a mão e aos outros pinta

Debalde o previne o solene idoso
Ignorado vira-lhes as costas
Leva tinta azul na nuca inda límpida

Macaquinhos com sarampo
Em grupo se divertem
O ancião indignado

Grasnai

Este céu é a expressão rosa dos outros
Diferente dos dedos de Aurora
Janela da casa alheia num lampejo
Estrondosa fecha-se
Inculcada consigo mesma

Rosa malhado de tons de trovões
Um ruído colorido que deslumbra
Lâmpago grasnido
Porta de um dono
Que abre e acende a luz
Porque sim
Porque quer ver-nos

sábado, 22 de agosto de 2009

O velho diálogo de Adão e Eva

Nuvem escura, ingrata e negra
Que o meu coração cegar procura
Quando à razão mesma nega ajuda
A um turvo lamuriar me entrega

Tempestade afoga-me a tempo
De não vislumbrar possível saída
Querer terminar viagem perdida
Fez desviar-me do caminho reto

Vagas e naus tributos prestam
Àquela que rege seus movimentos
Não sabendo dos que ali perecem

Porque cause indócil outros tormentos
Prece de marujo lhe endereço
Lhe morra nos braços pelo intento

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Cujas asas pervadem

Um pássaro entra pela fresta no teto
E pousa na luminária

Azul com laivos negros paira
Imóvel em seu trajeto

Onde terá o ninho?
Saberá daqueles cuja marcha:

Percurso abjeto,
que,
Por ignorar, o comparam?

A quem os rege e exara
Cuco, pássaro-objeto

Gaiolas por asas
Engrenagens decerto

Com seu arrulho discreto,
Dois ponteiros por patas

Adeja pontual, corriqueiro e correto
Pássaro-máquina separa

Encarcerado, prende a grilhões

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

O dia de trabalho

Por cambalear sozinho na rua engrolando uma velha canção, fizera-se notar entre seus pares. Não era um hábito aquilo que lhe valera a pecha de de bêbado da cidade. A verdade é que quando ficava neste estado ele aquietava e não reconhecia aos outros ou a si mesmo e sequer sentia a menor vontade de fazer o que fizera.
Com a morte de Seu Antônio o posto vagou e isto alvoroçava o pequeno grupo de discretas senhoras responsáveis por zelar pelos bons costumes naquela cidade. Espicaçava-lhes a vontade esse pequeno terremoto capaz de abalar as estruturas de uma sociedade tão solidamente fundada em valores antiquíssimos. Queriam ocupá-lo de preferência com alguém novo, pois o acúmulo de funções era condenável ainda que não impossível dadas as circunstâncias.
À razão as vezes seguia-se um impulso, desde a morte da mulher parara de beber e dera para ter vontades que não eram manias, uma vez satisfeitas não precisavam ser repetidas e mesmo se envergonhava de tê-las realizado. Comera já salame com doce de leite, xingara o motorista do prefeito depois de fechá-lo no trânsito, queimara os livros da falecida - que eram bem mais que os seus- vomitara acintosamente na fonte da praça principal da cidade em frente à igreja matriz.
A extinção do cargo de arruaceiro levou a uma agregação destas funções pela carreira de ébrio, o que terminou por dar notoriedade aum cargo cujo prestígio antes se restringia a certa fama junto à ralé e aos donos de bares. Era premente preenchê-lo sob pena de desregulagem de nossa máquina social por falta de peças. Ficar muito tempo sem que as pessoas exatas cumprissem seu papel exato era muito prejudicial à conservação de nossos bons costumes.
Por "ignorar os parâmetros mínimos de inserção numa comunidade progressista e ordeira"- isso constara da ocorrência - fora escorraçado de cidadezinha e tivera de achar uma outra mais individualista, acolhedora e compreensiva do luto de um viúvo e encontrara esta de agora, seu único problema era este cargo vago. E disso ele não sabia.
Cambalear e engrolar passaram a ser os únicos pré-requisitos para a por todos almejada ascensão social. O desespero das senhoras frente a pessoas tão pacatas, trabalhadoras e avessas aos vícios era tal que passaram a prescindir da investigação prévia em busca de antecedentes de alcoolismo na família. Com a abolição desta exigência genealogia qualquer vira-lata manco que ganisse seria admitido pela comissão. Graças a deus não foi preciso recorrer a estes extremos.
Cedera e este fora o erro que lhe granjearia reconhecimento público. Recém instalado numa casa ampla mas um pouco decadente situada um pouco longe do centro cuja mobília comprara espremendo o último trocado do acerto de contas do emprego na cidadezinha anterior, recostara-se na poltrona com um livro de poesia - Ungaretti - buscando unicamente um pouco de descanso depois do extenuante dia de mudanças.
Sentindo fome veio-lhe à superfície o lampejo que faria a felicidade de nossas senhorinhas.
- Fome, vou comprar uma pizza e refrigerante, andando mesmo para aproveitar e conhecer a cidade, essa música não me sai da cabeça se eu a cantar alto será que eu consigo me livrar dela?, merda, quase caí porque será que alguém deixa isso no meio da rua?, chutei o galho um pouco forte, mas também não o tinha visto essa rua é mal-iluminada, her mind is tiffany twisted she got the mercedes-benz, she got a lot pretty pretty boys that she calls friends.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Bula

A Lúcia H.,
Cuja reação prevejo

Ela tinha olhos negros
Não mereciam uma metáfora
Parecia desconfiada
Da vida, do mundo, dos poetas chulos
Com seus substantivos abstratos

Ouvia música
Minha vontade era, sabe?
Entrar lá
Sentar a seu lado e dizer
Entrei neste ônibus por sua causa
Seu sorriso me mostraria que
Eu interpus um clichê e isso dificulta tudo

Ela tinha cabelo despenteado
[Também negro]
O que mostrava seu provável desdém
Por poetas chulos e verbos
No futuro do pretérito

Funcionaria melhor o modo subjuntivo?
Se eu entrasse fosse direto
Ao ponto de não retorno,
Ela risse do clichê e retomássemos,

O brilho oblíquo naquele rosto fugidio
Que merecia uma metáfora
Era um indício de tédio,
Tácita disposição contra poetas dúbios
Se fosse, ignoraria?
O tudo, o nada, o sempre, o vazio,
o mundo, a vida, o poeta,

Dez patas, uma cabeça e um rim

A verdade do poeta é bem outra
Preclara e anônima
Arredia
Confinada num armário
Se dilui por entre as pessoas
Escorre e não é detectada

Cumpre desencrustrar
espremer
Abatê-la e olhar através
De seus olhos de vidro
Por entre as reentrâncias

Tanto do orifício quanto
Do promontório
Às custas da multidão não sabendo

Memorandum

Subtraio é a luz
Do trovão
Passam tão rápidos e inopinados
Que deixam cair alguma letra

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Metamorfema

Heliogábalo antecipa
Disputa cetro
porque presunçoso

Calígula ignora
Doma fragmentos
quando fora de si

Amílcar grassa
Despoja traços
onde escondidos

Horácio acoberta
Escreve haicais
como anasalados

Ulisses leciona
Esgarça fonemas
sobre ninguém

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Ao mesmo assumpto

- Me faz um desconto especial para cliente assíduo?
- Não acredito que você se diz poeta sem saber o que é um troqueu
- Se não me der o desconto, o número de clientes cairá pela metade
- Entre outras coisas é a base rítmica da letra do hino finlandês
- É uma praga que eu estou rogando: os lucros vão despencar e eles vêm encima de você
- Você sabe o que é finlandization?
- Você tenta me enrolar, mas no fundo eu sei que você quer me dar um desconto
- Vai pensando assim que você não consegue nada aqui, coração
- Antes do Pynchon entrar em reclusão, a gente se encontrava para beber gim perto da enseada
- Desconto para os velhos amigos só pode alavancar o negócio
- E o Ferlinghetti passava planando por cima de nós com uma faixa dizendo Pol Pot vive em nosso corações e mentes
- Nunca me considerei sua amiga, infeliz
- Você está em franca decadência mesmo
- Do ultraleve despejava gatos e iguanas e todo mundo achava isso normal
- Não adianta insistir, mesmo porque você anda me devendo desde quarta passada
- E os dois caiam em pé na nossa frente, bem pertinho de nós
- Você engordou desde a última vez, meu bem
- A culpa é da guerra e do desperdício de dinheiro com exércitos e gases
- A culpa é sua, amoreco
- Não adianta, não vai me convencer de novo
- Pynchon já estava um pouco bêbado quando um gato rastejou próximo demais de nós tentando roubar um gole de gim
- Tudo bem eu pago o da semana passada
- E foi acertado com uma garrafa na cabeça
- Seu crédito continuará suspenso até você fazer isso
- Se você fizer essa fiado para mim, quando eu quitar a dívida eu te dou um bônus
- Depois disso a gente foi de Kombi até a ponte onde a gente estava acampado
- Nada feito, até pagar você não consegue nada aqui, meu bem
- Os policias que vieram atender ao chamado de cidadãos concienciosos
- Pensa sobre o assunto, o bônus fica todinho com você, sem repasses
- Não quero ouvir o que você tem a dizer, se você pagar a gente pode até ficar só ouvindo
- Me convenceu, eu pago
- Pela demora a sua dívida aumentou
- Eu pago tudo
- Acabaram dando um tapa
- Eu aumentei o preço também para cobrir alguns calotes antigos
- Qualquer condição, eu aceito
- Não se envergonha disso? e ainda se diz poeta
- Cala a boca e anda logo
- Me diz uma palavra que rima com lâmpada
- Eu já estou pagando por isso?
- O que é pareidolia?
- ,
- ;
- !
-“ ”
-.

domingo, 9 de agosto de 2009

Charleston com agogôs e marimbas

Houve um saxofone tocando naquela noite, disso eu lembro nitidamente, achei que era um tipo de augúrio, o que de alguma forma me fez lembrar da história na qual os romanos liam o futuro nas vísceras de animais sacrificados para este justo fim, algumas vezes águias.
No final nem era um augúrio e mesmo se fosse não faria diferença, pois ocorreu nada ou quase nesta noite que mesmo assim foi fatídica – de um jeito ou de outro eu sempre acabo voltando à história da águia dos romanos- ela fica lá espreitando as brechas do meu subconsciente, até enquanto eu como um churrasco grego às duas da manhã me fingindo de paulistano.
Era um standard do jazz que sem dúvida brotava das entranhas da terra; estando eu na W5, cercado de escolas de idiomas e faculdades, lugar sem casas, restaurantes ou bares, no qual via de regra vigorava um silêncio catacúmbico, não me faltaram indícios de que a tal música viesse do parque da cidade.
Desmascarei rapidamente essa hipótese, o som reboava ao redor de mim. Talvez eu estivesse sendo vítima de um ritual de uma seita secreta, se é que existe seita a descoberto e se é que as que assim existem são seitas mesmo, de saxofonistas cujo Barão Samedi fosse Parker e o diabo Benny Goodman ou Kenny G. Até porque eu sabia que na parte do parque mais próximo de onde eu estava não havia bares e muito menos um onde tocasse Alabama.
Conheci um trompetista - Westony, o nome – que transpunha solos famosos do Parker por diversão, só porque a surdina fazia o flugel parecer um sax alto, tudo isso só para demonstrar desprezo por Gillespie e seus asseclas dissensores.
Não era Alabama a emanação do sax/flugel com surdina, era uma daquelas que todo mundo conhece e não sabe de onde veio, eu podia assoviá-la se eu soubesse. Não era aquela típica baboseira easy listening sem substância que poderia já ter sido regravada mil vezes e tocar na antena 1. Era uma música muito boa, célebre desconhecida: alternava-se uma execução primorosa do tema, cuja melodia evocava uma raquetada, amenizada por um tipo de espuma, saindo de um flugelhorn, com os solos mais mirabolantes.
Sempre existiu por aí a história de que o Vivaldi escreveu as quatro estações para provocar sensações extra-auditivas no ouvinte. Eu não acreditava muito nessa possibilidade até o pedaço dourado de metal retorcido com botões e palheta me fazer lembrar de novo dessa história que paira no ar esperando por confirmação.
Li nas vísceras do animal, ou da soja, ou do trigo que os açougueiros gregos sacrificaram justamente para minha leitura, que aquele saxofone era metafísico e fui para casa dormir.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

In praise of Brodie (concurso)

O concurso literário deste mês da revista Piauí pedia que os participantes encaixassem uma frase do Lima Barreto, Mudemos o uniforme, e já!, em um texto de nossa lavra. Pena que o regulamento preveja que os textos enviados só possam ter até 3160 caracteres, tive que mandar uma versão editada que ficou com 3159 caracteres. A versão que coloco aqui é a integral.



In Praise of Brodie

De minha humilde posição de algoz do reino, lacaio reles desta excelsa corte, vassalo e arauto do mais digno de solicitude, que com sua elevada bondade guia todos e cada um de seus súditos na direção da concórdia, Eu, Puntiforme filho de Puntiforme, algoz deste reino e cidadão cioso do bem estar dos que nele residem, venho por meio desta despretensiosa ainda que indignada missiva, reportar a quem sobre isso competir deliberar, mirando sempre a mais alta e piedosa instância fatos que vêm de forma pertinaz pertubando a paz e a ordem públicas que tanto almejamos alcançar e manter em nossa progressista corte.
É notória e bem quista de certas instâncias de nossa administração o estabelecimento de certas inovadoras práticas comerciais em nossos territórios por alguns de nossos de a pouco célebres e nem sempre ociosos concidadãos, indivíduos espirituosos sem dúvida que aproveitam uma brechazinha qualquer em sua jornada para ludibriar até o mais atento dos sentinelas e vender produtos por eles cultivados e que antes eram destinados ao fornecimento para a mesa régia e suas dependências. Em testemunho confidencial cujo conteúdo não temo desvelar nesta carta, graças à convicção de que tudo o que aqui relato é para o bem de nossa comunidade, Cuneiforme filho de Cuneiforme, 27, escriba, afirmou ter visto mais de uma vez de sua janela na torre da ala da biblioteca grande aglomeração destes elementos que ao se dedicarem a amealhar fortuna e prestígio próprios se furtam à obrigação para a qual foram concebidos, negligenciando o abastecimento da corte em prol de atividades escusas. O que mais impressionou a nosso diligente conciencioso escriba foi o líder deste bando. Não sei se filho deste reino ou estrangeiro, este elemento a pior espécie vem a minar as bases nas quais se fundam a soberania deste território, ameçando-nos e nos inflingindo uma diferença que não podemos tolerar, pois ao fazê-lo colocamos em xeque toda a altivez e a tradição deste povo que delas é tão amigo. Não contemplado por Deus em sua criação este ser, que mal ouso chamar pessoa, não muda de forma.
Humildemente rogo e advogo buscando como sempre ir ao encontro dos interesses de nossa Infalibilíssima Majestade os quais são por conseguinte os deste reino e de sua população. Mostra-se cada vez mais premente a tomada de medida drástica que extirpe pela raiz um mal que, caso se alastre, pode acarretara extinção das tradições pelas quais se guia nosso povo. Insto portanto, as instância administrativas competentes a coibirem a expansão de uma classe de sujeitos antipatrióticos dedicados ao ócio e a si mesmos, cujo aberrante líder é afronta nossos costumes e visa aniquilar nosso modo de vida.

Zelando sempre por que reine a paz e a harmonia entre seus súditos, Vossa Altíssima Majestade, O Rei, filho d’O Rei, determinamos que para a manutenção da ordem pública, bem como preservação da moral e dos bons costumes vigentes neste Reino e por motivo de descumprimento dos ditames régios no que tange a matéria fisiólogica, moral e de interesses:
1. Mudemos o uniforme, e já! O submeteremos a tratamento custeado pelos próprios dividendos de sua atividade ilícita, tendo por objetivo integrá-lo a nossa sociedade de forma pacífica facultando-lhe a a ele vedada capacidade de metamorfosear-se como lhe aprouver.
2. Debelemos qualquer movimento pertubador da ordem em nosso território, evitando comoções intestinas desnecessárias fortacelecendo a soberania e o reinado deste que é o mais pacífico dos povos.
3. Revoguemos todas as disposições em contrário.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Descaminhos áulicos

Apanho-a segundos antes
De que espatife no chão, antes que alguem veja
Que eu deixei cair, seu trajeto
Abtruso abre um túnel no ar
É vedada a vista de seu percurso

Vejo-a rolando em direção à borda da mesa
E a veria no chão em mil pedaços
Se não a tivesse capturado a tempo
Minhas pálpebras viram o caminho

Recolhi-a apalpando as ondulações
Rastros delicados, dunas
Na superfície do éter (galgáveis apenas
por camelos treinados)

Li-a, atando digitais ao ar
Aparei queda vindoura e urgente
Contra o decálogo que vige nestes casos
Labirínticos, em cujas curvas a detive.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Giranuvem

Os girassóis adquirem sempre
A cor de seu norte
Os azuis, marítimos oblíquos,
Incertos, apanham as carpideiras e os
Entregam aos namorados
Que os envergam na lapela

Do vermelho faz-se uísque
Ou fermentado qualquer
Não me admira que andem por aí
Trôpegos, caindo pelas ruas
Isso quando não dão para o jogo

Os amarelos quando não servem de
Lampião ou querosene
Iluminam o caminho de uma lamparina
Maior que flutua pouco acima

Sem mencionar os verdes
Que se camuflam disfarçados
de trevos, pois são vegetarianos
Pacifistas e vendem colares e pulseiras

O girassol de treze pétalas
Nasce invariavelmente rosado,
Sedento por leite
Se algum dia cresce, fica escuro,
Malhado ou com pintas
E tenta ganhar a vida como
Malabarista no semáforo

Plenilúnio

São duas e quinze da manhã enquanto
Como uma goiaba, tresvario
Tresandando tremulo
Três vezes tergiverso

Alço meu cinzel, que recrudesce contra
A expressão lapidar, de plástico
Que encontrei por acaso
Como as árvores e a rua

Servil e dúctil, a domicílio diriam
Os mais argutos
Se na mão juntassem o que sobrou
Dela após sua não intencional
Aproximação vertiginosa do solo.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Esgar de veludo

Ergam-se as taças
Lance-se num átimo fremente
Seu conteúdo aos rostos

A impassibilidade a afogar-se
Em fluído glacial
Substituindo o sangue por álcool
Imprime um rictus às comissuras
Guiando ao paroxismo,
À abertura,
Ao asilo

Tropeçar numa pedra
Ao cair numa poça
Nomeando invisíveis conluios
Em todas as declinações

segunda-feira, 29 de junho de 2009

El Rulfo

Na superfície mais áspera um poço
Despe suas entranhas de miragem
Fruto e raíz do eco
Oferta-se ao que reverbere em sacrifício
Designa às rugas de sua origem que
Dobrem à chegada de qualquer transeunte:
Raros intangibilizam o poço
São incapazes de extraí-lo
De por entre os espinhos

Um poço do avesso gritando ensurdece
Os que propectá-lo almejam

terça-feira, 23 de junho de 2009

Querosene e circo

Não coincidem no subjuntivo
Ao caírem das prateleiras exsudando
Dissensão lancinante gradual
Como a transpiração porque comungam

Arfantes

Diferem por membrana retrátil ao toque
Uma janela que cavaram e esqueceram

Aberta

Os separa dos diversos nós que os jungem
À distância de um banco

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Observação das pontes

Marcham contrafeitos
Arregaçam a manga orbes predispostas
Queimando carne assinalada
A desvelar renitententes antecessores
Puxam de si para si altivas quedas
Absortas celebram-nas
Ignorantes tanto da extensão da contratura
Quanto do alívio da presença inopinadamente

Ajuste fractálico de objetiva
Primazia expressão em detrimento do enunciado
Conforme um acorde ribomba e perpassa
( soleira, marco, moldura, rodapé, poço)
As cavidades do contorno do corpo
Arroga de si para si descarnada insolência inaudita
A indispô-lo contra as bordas da existência contratual
Ou não abjura as cavilações antigas a tremeluzir

Dissonante anacrônico rasga tecidos
Em garimpo pertinaz
Engasta-lhe arranha céu subcutâneo ajustando
Em origem as premissas
(fantasmal se abstem do foco
eludindo-as não demarcado)

Colocar em causa enquadra
(premeditando necessidades)
Plurificando descaindo em cascatas de
Mercúrio sobre frigideiras almejadas pelos antigos
Arredios irresolutas em arcabouço lesivo
Insurrecto exemplo de comedimento por linhas tortas

Urdem condições ao conjecturar contra
Avalizam totalizantes
pombálicos adejam a arrostar junções
Afastá-las da ausência cuja altivez
Congrega um círculo em volta de um totem
A bombordo, um menhir, promontório qualquer abriga
Ventos que se alastram órfãos
À deriva uma gruta e seu céu da boca a perfurar
A terra e buscando fugir
Túneis e barris adiante fechando o caminho cujos trilhos randômicos
Por desconhecerem dão anuência

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Conspurcados impontilham-na

Manhã fria e corredor
O céu transparente enxergara
As paredes se estreitando
Para atingir a linha

De partida, congraçam-se tácitas
Contraindo cada poro
Ante o azul incólume
O tango prenuncia
A interpelação dos ventos

Confinadas ao regime
Esquálidas em rota de colisão
Descarnando-se impudicas
Arrebatamento mal-contido
Consuma o espaço, a ausência
As impele ao que o céu antevira

terça-feira, 16 de junho de 2009

Legai aos nichos luz carnívora

(Crusado final)
Desfere o último
Beijo mais vasto

Continental desborda
Travejamento ao prescindir de rigor mortis
Cujos suspiros (alagando cada
sombra em horda bastante, reduzidas
proscritas de famosas antigas
elocubrações)
Fraquejam perante

Estigmado obnublia-os
O velho sestro (com listras)
Horizontal
Inclinado{s} para a direita
Esferas o{s} perfuram (, irradiam
centro,)
Exclusivos em aventar hesitante arbítrio
Díspar (resolvido a diluir)
Dispõe seus asseclas em
triângulo por sob a
Pele dos canhões
(Foge)m (de seus assovios)

domingo, 14 de junho de 2009

Folksgeist

Mínimo nunca é menos
Do máximo
Que o ínfimo

Fraternal

Módulos em caixas
Com divisórias
Por dentro dos compartimentos

Elegia a Netuno

Torpedeia faringe alheia
A R$ 3
O maço

Revista à tropa

Garrafas
Aos montes soterram
Os últimos

Luminária

Abelha rainha infunde
Na geléia cósmica
Clones - inférteis seminais

SP a americanicenses

Soerguei a muito poucos
Sufocai aos poucos muitos

Anti-ferrugem em bolhas

Assonância deflora numerários
Cujo esteio predispõe
A favor e encontra
Na vastidão ínfima de reserva
Industriosa sob disfarce
Botões e migalhas
Com direito a riscos na imagem

Partem não à deriva
Irrompem, como lava,
Em alguma superfície
Afetando dissonâncias
Como vespas de um enxame sob fogo

Crusado real lança
Ao último beijo, menos ansiado
Cães em volta não encontram
O velho cheiro, ainda que aos borbotões
Lancem mão daquele lastro

sábado, 13 de junho de 2009

O Volga liquefaz apesar das balsas

Salivas desmoronam em castelos fugidios
Comprimidas não exíguas
Vasculhadores do céu
Não sabem da lua, mas da órbita habitada
Colonizam-na esparsos soldados
Soldados perfilados em ferradura
White caps entrechocam
Campal eterna prescinde de arbítrio
Auréolas revoltas encarapitam
Dor estridente as perpassa
Equilibrando bandejas
Continentes orbitais
Clamam por tensão que dissipe a dualidade
Compulsam arquivos
Trauteando ao buscar posição exata do nó
Que ata uma a outra
Em posição marcham sobre teias
Visíveis porque ancestrais translatórias
Contraerigem a despeito da terceira pessoa freudiana
Confabula-se sobre destino incomensurável
Uma vez dissociados
Distorcem o imediato entorno
Evocando a seu favor terem consubstanciado
A conjuntura mesma
Massa informe inerte unânime viva pulsa
Retorce em dor alívio silêncio
Enquanto acende um cigarro

terça-feira, 9 de junho de 2009

Salmoura

Giz cinza pelas frestas
Se alastra como fios
De assalto toma-as
Quão precisas as portas
Interpela em quiálteras
De par em par
Tochas e ancinhos são cortinas
Não interrompem
Na categoria de elefantes
Vence alpes não morre
À míngua nos pântanos
A salvo à margem sextina-se
Pulula a esmo sabedor
De ambas as direções de cada reentrância
Por ínfimas mais berrantes
Holofotes velhos cuja luz
Vermelha escorre subretícia
Dissemina solene sustido pelas ventas
Por horda de mosquitos capilar

sábado, 6 de junho de 2009

Ode Cabralina

O mundo é uma frase incompleta
Entrecortada por vírgulas
, Despojadas de seu sentido primevo,
Que pairando sobre nossas cabeças
De por si assombradas
Desavisam-nos de que
O mundo é uma frase
E vice-versa

Revolução,

Cansadas de subordinar
Armadas de travessões
Antepuseram o sujeito a análise
Desprovidas de predicados
Aposto que perderam

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Siderurgia

Tornado maciço introspectivo
Em seu olho
Pilhas acabrunhadas de caixas
Baixa-mar a galés perpétuas
Silo para os ventos cujas cônicas farpas

Vagas alçapão
Obstam rodopiam chamam
zumbindo retorcem
retrocedem

quarta-feira, 3 de junho de 2009

ALERTA AOS INCAUTOS

Qualquer pontuação aqui utilizada é feita sob estrita vigilância e não está errada. Não a corrijam.

Miraceti

À deriva, um dia sucede
o sonho
Onírico filtra a luz do sol
Terráqueo lupina uivante

terça-feira, 2 de junho de 2009

Ramificações

Wannabe funâmbulas
Decisões escapam de por entre os dedos
Já livres, tombam prostradas
Vergam sob frustrações pregressas
Proliferam na inconcretude de sua possibilidade
Não lhes falta vontade ou vigor
Apenas sucumbem

Soterrado{a}s

Os planos naufragam
Em virtude de sua concepção
Esvaídos os impulsos iniciais
Consome-se o que foi aventado
Vicejam por ínfimos dias sufocam
Eivados de minúsculas irrealizadas